‘Pequenas alegrias da vida adulta’


Por Renan Ribeiro

23/11/2019 às 07h00

Levei a mão ao bolso da calça com a certeza de que não havia nada lá. Para minha grata surpresa, encontrei uma nota de dez reais. Que alegria! Outro dia, quando cheguei em casa, o meu prato preferido estava na mesa, um frango com molho de tomate e batatas cozidas, que só tem aquele sabor porque é feito pelo meu pai. Fechei os olhos e agradeci, enquanto saboreava.

Entrei no ônibus atrasado, meio esbaforido. Mas ainda havia assento vazio, o que melhorou consideravelmente a viagem. Do lugar que ocupei, conseguia ver três jovens aprendizes devidamente uniformizados com camisas azuis. Duas meninas no banco da frente e um rapaz no banco de trás. Eles estavam com um baralho de Uno nas mãos. Se divertiam com as jogadas, e eu me diverti junto. Às vezes, quebrar aquele clima de ‘cada um com o olho em sua tela’ é o que a gente precisa para encontrar uma cor ou outra no dia.

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Fiquei de folga no último feriado e, apesar de ter resolvido um monte de coisas, me deixei desfrutar de um pouco de preguiça, levantando mais tarde. Quando acordei para valer, apanhei um café e sentei perto da janela para pegar aquela sensação fresca da manhã. Uma andorinha pousou na rede elétrica, diante dos meus olhos. Eu fiquei observando o pássaro até ele retomar o seu voo. Pode ser que ela sozinha não tenha o poder de despertar um verão inteiro, mas só de vê-la, a energia do verão se estabeleceu em mim.

 

O voo da andorinha que é uma pequena alegria da vida adulta Foto: Renan Ribeiro

Fiquei com uma música na cabeça e, ligando o rádio da cozinha, ela tocou em seguida. Aumentei o volume e cantei junto a plenos pulmões, aproveitando aquele momento. Mais tarde saí. Ao voltar, fui recebido pela mascote canina da família, a Lolita. A festa que ela fez para mim foi o bastante para me deixar derretido.

Emicida lançou um álbum incrível esse ano, que me fez ficar embargado várias vezes. Uma das músicas traz essa mensagem delicada no título. “Pequenas alegrias da vida adulta”. Desde que escutei essa letra pela primeira vez, passei a me dedicar mais a procurar esses acontecimentos e a vibrar com cada um deles.

Investimos muito tempo e muita energia ruminando o que desandou, atribuindo mais peso às culpas e aos erros, sofrendo com cada caso absurdo que vem acontecendo na cidade, no estado e no país. Isso não deixa muito tempo para que possamos viver e desfrutar desses pequenos prazeres. Não percebemos o desleixo com o qual tratamos essas pílulas de alegria diárias. É nesse sentido que a música de Emicida me acertou em cheio, porque cada cena descrita me levou para um lugar.

As mazelas também estão presentes na canção, não são negligenciadas. A existência de problemas, no entanto, não impede que boas coisas aconteçam todos os dias, e que possamos dar espaço a elas. É óbvio que as incertezas e dificuldades do presente precisam nos fazer pensar, não podemos virar o rosto para a dura realidade que acontece diante dos nossos olhos. Encarar de frente e sair do estado de inércia é fundamental. Isso não significa, no entanto, que a desesperança deva tomar conta de tudo.

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É preciso lembrar que as pequenas alegrias da vida adulta nos abastecem. Elas são capazes de nos fortalecer, alimentar e dar fôlego para que estejamos inteiros para encarar as lutas e voltar para a casa, ou para perto de quem amamos, “como camisa 10 após do gol”.

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