Códigos

Dizemos muito sem dizer nada. Uma piscada, um balanço de cabeça, um olhar específico dizem muito. Esses códigos nas relações ajudam a estabelecer uma comunicação que vai além das palavras


Por Renan Ribeiro

08/04/2022 às 07h00

Tem uma coisa nas relações mais íntimas que me interessa muito particularmente. Cabe em qualquer tipo laço: romântico, familiar, de amizade, de trabalho e não tem muita relação com o tempo que as pessoas envolvidas se conhecem, mas com a intensidade da troca que elas têm. Falo dos códigos específicos de cada relação, daquele gesto que tem um significado entre as pessoas, que possa ter sido combinado ou não, que faz com que ambas consigam se conectar instantaneamente e entendam algo sem precisar do auxílio direto de qualquer palavra.

Minha mãe, quando era criança, me ensinou a dar uma suave apertada no pulso toda vez que eu precisasse chamar a atenção dela e não pudesse falar, ou para quando vislumbrasse alguma situação de risco. Uma vez, esse código nos salvou de um furto. Estávamos andando pelas ruas do Centro quando um homem começou a nos seguir e a prestar a atenção na bolsa da minha mãe. Ela ficou observando a movimentação dele por um tempo, e eu estava completamente distraído. Até que ela apertou de leve meu pulso, em poucos segundos captei o que ela queria me dizer. Ele andava na mesma velocidade que nós. Se parávamos, ele parava junto. Até que ele tocou na alça da bolsa da minha mãe e, quando ela se virou, ele fingiu que estava amarrando os tênis. Na sequência entramos em uma loja e só saímos dela depois de constatarmos que o cara tinha desistido de continuar a tentativa de furto.

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Uma vez, em uma festa, um cara bêbado começou a assediar uma amiga, ela lançou um olhar para mim e, na hora, entendi que ela estava precisando de ajuda. Passei o braço ao redor dela e disse que ela estava acompanhada, e o cara saiu xingando.

Os códigos não se reduzem a situações de perigo apenas, mas tem um olhar que ajuda a identificar que alguém desagradável pode estar se aproximando, um gesto que indique desconforto e faça a pessoa levantar e falar que vai tomar um ar junto com você, uma balançada de cabeça que contradiz algo que você acabou de falar, porque você não pode ou não quer falar sobre algo específico, um bico que representa insatisfação com algo, um suspiro que deixa claro que algo que deveria ser muito bom não saiu como o esperado.

São gestos, assim como o semblante de alguém que está segurando uma risada porque está em um momento impróprio, ou aquela expressão que indica que alguém acabou de falar uma besteira ou algo constrangedor, que talvez não sejam captados por outras pessoas, mas que dizem tudo o que aquele indivíduo precisa para entender o que você quer dizer.

Esses códigos podem fortalecer tanto as nossas relações que passam a virar piadas internas, que vão acompanhar essa construção ao longo de toda a vida. Não é difícil identificar esse tipo de comunicação não-verbal e é delicioso perceber a existência de cada pequeno sinal que o nosso corpo aprende a fazer quando tem a necessidade de enviar uma mensagem a alguém próximo. Que, com a possibilidade de voltarmos a ter contatos mais amiúde, que também possamos retomar essas manias que colecionamos e fazem das relações únicas e fundamentais.

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