Amanhã há de ser outro dia


Por Renan Ribeiro

04/02/2022 às 07h05

Fui à farmácia buscar meia dúzia de coisas. Pequenas pendências que acumulamos até onde dá, até que elas se tornem urgências cotidianas e nos obriguem a ir para a rua. No trajeto, passei em frente a um ponto de vacinação. Para a minha alegria, cheio de crianças. Algumas delas bem pequenas, outras um pouco maiores. Todas em fila, acompanhadas por adultos.

Parecia uma união de universos em uma mesma obra, como quando a Marvel resolve fazer um Vingadores e junta vários super-heróis em um mesmo filme. O primeiro que vi foi o Hulk. Protegido duplamente, com uma máscara cirúrgica por baixo e outra do personagem por cima. Em outro ponto da fila, havia outros companheiros dele. Capitão América em uma máscara, Homem-Aranha em um boné, Homem de Ferro estampado em uma camiseta.

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Alguns deles imitavam os personagens da ficção com onomatopeias e gestos. Tinha herói para todos os gostos: Batman, Mulher Maravilha, Naruto, todos convivendo em perfeita harmonia. Vestida como a princesa Moana, uma garotinha se destacava com um cordão de flores fluorescentes enfeitando seus cabelos cacheados. Parecia mesmo coisa de filme.

Eu fiquei imaginando o quão difícil foi para cada um deles passar por esses praticamente dois anos de pandemia. A impossibilidade de ir para a escola normalmente, o sentimento de solidão com o afastamento dos amigos, a falta do contato, da brincadeira, do lúdico. Sei que eles perderam muito, e vai levar muito tempo até que as coisas voltem aos seus devidos lugares. Mas quando olho para eles, eu sei que, de alguma forma, amanhã vai ser outro dia.

Tímidos, com as mãos coladas com as mãos de seus responsáveis, alguns já buscavam os primeiros contatos com as outras crianças mais próximas. Imagino que a vontade fosse a de chamar todo mundo para brincar, para ser criança. A vacina, de alguma forma, representa a possibilidade de voltar a fazê-lo com maior tranquilidade.

Devo destacar que muitos dos responsáveis na fila deram um show à parte, usando as máscaras adequadamente, guardando distância tanto das pessoas que estavam na frente, quanto das que estavam atrás. Mas, principalmente, explicando às crianças a importância de receberem o imunizante.

Até mesmo as pessoas mais pessimistas não conseguem resistir a tamanha injeção de ânimo. Os pequenos estão encarando a situação com uma naturalidade exemplar. O único que vi contrariado se recusou a posar para o retrato que a mãe dele queria tirar. “Vamos mostrar para todo mundo que você é muito corajoso”, disse ao pequeno herói. Consciente de que todo herói tem um lado humano, ele fechou o semblante e chorou. Sem resposta. Um pouco dolorido, mas saiu de lá triplamente protegido, eu espero, contra a Covid-19: pela máscara, pela vacina, e contra a maldade do mundo. Graças à coragem e à força deles, amanhã há, certamente, de ser um bom dia.

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