Novos hábitos


Por Renan Ribeiro

03/07/2020 às 07h00

No geral, meu sono é pesado, denso, profundo. As insônias não eram comuns por aqui. Talvez, por isso, a primeira ficha a cair, tenha sido obra da presença intensa da falta de sono, que se deu logo nos primeiros dias em quarentena. Antes, o deitar na cama era certeza de estar apagado poucos instantes depois. Com a pandemia, os olhos estatelados no teto do quarto escuro e a cabeça que não aceitava entrar no modo descanso tomaram a noite.

De início, foram dois ou três dias de noites tensas, com dias regados a café e bocejos indesejados. Logo percebi que havia a mesma dificuldade entre os meus pais. Depois disso, chegaram relatos de amigos de ocorrências semelhantes. Cheguei a perder a hora, algo que não acontecia comigo há muitos anos.

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Não posso dizer que as coisas se normalizaram, tampouco posso dizer que é fácil sonhar. Ainda há dias em que pegar no sono é árduo, assim como fica cada vez mais difícil se entregar ao sonho no meio do caos. Não bastasse o perigo do vírus que até agora já vitimou mais de 60 mil pessoas só no Brasil, há inúmeras cenas de violência que não dão trégua, há o aprofundamento das desigualdades, existe em frente um mar de incertezas e dúvidas. E, além de tudo isso, o distanciamento é uma interferência brutal na maneira como trocamos afeto.

Os sonhos ficaram escassos. O que não quer dizer que não devemos ficar mais atentos a eles. Uma das coisas para as qual a pandemia me despertou, foi a necessidade de dar mais atenção aos meus sonhos. Depois de muitas conversas e de assistir a falas do neurocientista Sidarta Ribeiro, passei a tomar nota do que vem do onírico. Quando os sonhos ocorrem, antes de abrir os olhos e me entregar à rotina, fico um tempo em silêncio, puxando as imagens que vieram durante o sono. Passei a anotar tudo o que lembro.

Com o tempo, comecei a perceber alguns padrões, e os sonhos ganharam mais nitidez. É interessante olhar para o que a nossa mente é capaz de produzir. Sei que a nossa capacidade de sonhar com os olhos abertos anda em baixa. Mas também já entendi que nem sempre os sonhos são respostas para as perguntas que temos. Às vezes, sonhos são só sonhos. Mas se há uma coisa que eles ensinam é a brincar de projetar possibilidades, ver imagens bonitas, ou diferentes. Ou até mesmo incentivam a ver o que é normal, pintado com outros tons. Pesadelos não são eternos, esse é outro ensinamento importante: uma hora a gente acorda. Eu espero ansioso pelo dia em que o despertar virá junto com a notícia de que é seguro ir para a rua. Até lá, o exercício do sonho passa a ser mais um companheiro nessa jornada.

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