Ele teve professores


Por Daniela Arbex

27/08/2017 às 07h00

“Luto: para uns pode ser um substantivo; para professores é verbo”. A frase estampa a capa do Facebook de Marcia Friggi, a professora do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, agredida no início da semana por um aluno de 15 anos com um soco no rosto. O gesto que acertou um país inteiro revelou o tamanho do abismo em que estamos mergulhados. Em uma sociedade movida pelo ódio, como a nossa – basta ver os milhares de comentários que condenaram Márcia pela sua ideologia política -, a violência que nos assola preocupa, mas não a ponto de promover uma profunda transformação social e humana.

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Tudo começa na educação. Certo? Esvaziada de sentido, a frase chavão tem pouco efeito. O caminho da mudança parece profundamente simples, mas a verdade é que há muito não estamos conseguindo cumprir o dever de casa. Fragilizado na sua importância e visto como um lugar de desesperança, o ambiente escolar transformou-se em espaço com o qual o professor já não se identifica, muito menos o estudante. O fato é que o nosso modelo de educação continua baseado em valores do passado, direcionado para uma sociedade que não existe mais.

A educação para todos, um ideal democrático, trouxe em seu bojo a massificação do ensino e o acesso de um público carente de tudo, como o jovem que golpeou Márcia na escola da rede municipal de Indaial. Vítima da violência doméstica desde que se entende por gente, o estudante acabou tornando-se autor dela. Virou o monstro do qual queremos nos livrar sem nos darmos conta que o desejo de exterminá-lo nos torna muito piores do que ele.

Ao se transformar em um local de diferenças, a escola não conseguiu dar conta dos conflitos que ultrapassam o seu muro. Ao reproduzir desigualdades, ela perdeu a importância na vida das comunidades. A nova realidade afetou a valorização e a identidade dos educadores. Ensinar passou a ser sinônimo de fracasso e martírio.

O problema tem sido agravado pelo baixo investimento no setor. O custo aluno por ano da rede estadual mineira, por exemplo, foi de R$ 4,2 mil em 2016. Já o custo médio anual de um adolescente em conflito com a lei em Minas chegou a R$ 78 mil. A ressocialização de jovens que só nascem para o estado quando se tornam infratores é altamente necessária, mas, ao gastar quase 18 vezes mais com a recuperação do que com a prevenção, o poder público dá sinais de que ainda não aprendeu a lição.

Quando chegou ao hospital para ser atendida após ser agredida, a professora Marcia Friggi foi recebida por um jovem. Descobriu que aquele rapaz era o médico que iria costurar o seu supercílio. Ela, então, pediu ao doutor menino que “caprichasse” na sutura, pois não queria ficar com marcas. Marcia disse a ele que “fizesse de conta” que estava dando pontos em alguém querido, embora ela fosse uma completa desconhecida.

– Vou fazer de conta que estou costurando a minha namorada, ele respondeu, sorrindo, e completou: eu só estou aqui porque tive professores.

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