O que acontece depois do adeus?


Por Daniela Arbex

25/09/2016 às 07h00

Fazer jornalismo é produzir memória, afirmou há alguns anos, em uma entrevista, o eterno repórter Geneton Moraes Neto. Concordo com ele, pois reportagem e história deveriam caminhar de braços dados. Mas na correria da rotina jornalística – principalmente em veículos diários -, é preciso correr atrás do tempo para revisitar o passado, inclusive as histórias que contamos. Muitas delas nos marcam profundamente e, por isso, é simplesmente impossível esquecê-las.

A ideia do caderno especial que publicamos no mês de aniversário da Tribuna surgiu do desejo de saber o que aconteceu com cada personagem depois que a gente se despediu deles. Percorrer esses 35 anos da trajetória do jornal nos permitiu fazer o caminho de volta e encontrar respostas para perguntas que nos perseguiam há anos. Serviu também para superar velhos estigmas. Durante dois meses, dezenas de buscas foram realizadas para localizar personagens que, no passado, foram retratados em nossas páginas.

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Nossa maior dúvida era quanto ao destino do menino Marcel, 14 anos, fotografado por Gleice Lisbôa em 2000, quando sofria de câncer. Quando a Ascomcer confirmou que Marcel sobreviveu à doença, a notícia foi comemorada na redação como se fosse final de Copa do Mundo. Se nós entramos na vida de Marcel ao eternizarmos o encontro dele com o Palhaço Pinduca, ele permaneceu na nossa lembrança por todo esse período.

A procura pelos gêmeos Bebeto e Romário, eles, sim, nascidos durante a Copa de 1994, foi uma das mais difíceis. Pelo nome da mãe deles, Juraci Teodora, não foi possível obter nenhuma informação. Thadeu Cobucci, dono do cartório, se prontificou a nos ajudar e conseguiu achar o registro de nascimento das crianças, mas nele não constava nenhum número de identidade dela.

Também pedimos ajuda da Secretaria de Desenvolvimento Social, a fim de saber se Juraci estaria inscrita em algum tipo de benefício social da Prefeitura ou do Governo federal. Nada. Até que o repórter Eduardo Valente – colega com grande espírito de equipe e cooperação -, fez uma busca refinada no Facebook. Começou de trás para frente. Procurou todos os Souzas de Juiz de Fora e, depois, todas as variáveis do nome Bebeto, como Roberto, Alberto, Beto e, por último, Betão. Localizou o rapaz que se apresentava como Betão Souza e tinha entre os amigos Romário Souza.

A idade deles, 22 anos, era compatível com a dos personagens nascidos em 1994. Uma imagem no álbum de fotografia de Betão colocou fim a nossa pesquisa. Nela, Juraci aparecia abraçada aos dois filhos, reproduzindo a foto publicada na Tribuna décadas atrás. O reencontro com a diarista confirmou o que já sabíamos: pobreza jamais foi sinônimo de abandono ou criminalidade. Mãe de sete filhos negros como ela, Juraci conseguiu, em meio a todas as dificuldades que enfrenta até hoje, oferecer aos filhos algo que não lhes seria tirado: exemplo e estudo. Todos os sete fazem curso superior ou técnico. Todos têm projeto de vida. Sonham alto.

Ao contrário da busca pelos gêmeos, encontrar Trajano Andrade Neto, o motorista que perdeu os pais e a sogra soterrados na passagem de ano de 2009, foi tarefa fácil. Trajano trabalhava na Tribuna quando a tragédia aconteceu. Me lembro de ter sido acordada naquela manhã de 1º de janeiro de 2010 com a notícia. Nós, que sempre testemunhamos situações dramáticas, nunca tínhamos visto nada tão perto de nós.

Trajano era querido por todos os jornalistas com quem trabalhou, e a redação inteira se deslocou para o Bairro Cesáreo Alvim, a fim de acompanhar com ele a operação de busca realizada pelo Corpo de Bombeiros. Trajano estava em choque, e nós doloridos pela imensa perda dele. Trajano recomeçou do zero. Ao lado da esposa, adotou uma menina. Escrever sobre Trajano é falar de amor e de vida.

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Aliás, escrever histórias é ter o privilégio de assistir o presente surpreender o passado. Porque o ponto final de um texto é apenas uma pausa diante da imensa capacidade humana de se reinventar.

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