Não me chamem de “pé frio”


Por Daniela Arbex

17/06/2018 às 09h00- Atualizada 18/06/2018 às 08h00


Acho que sou uma das poucas brasileiras que não têm um time. Não sou aficionada por futebol, mas sempre gostei da hora do gol e da vibração da torcida. Na Copa do Mundo, porém, a emoção é diferente, e, quando a gente percebe, está lá, no meio da sala, gritando e sofrendo em cada lance da partida. Em 2014, na véspera da semifinal do Brasil, viajei a Belo Horizonte para entrevistar alguns personagens do livro Cova 312, que lancei no ano seguinte. Lá, fui surpreendida pelo convite de assistir à partida contra a Alemanha. Empolgada, liguei para o meu marido que estava em Juiz de Fora e fiz a convocação: “Você tem que vir para cá amanhã”, disse, ao telefone. Escalado, ele arrumou tudo a jato e amanheceu na capital mineira para assistir ao jogo comigo. Éramos pura euforia! Três horas antes do início da partida, já estávamos na porta do Mineirão. Como típica mineira, não queria correr o risco de perder nada.

Fiquei impactada ao avistar, da entrada da arquibancada, o campo a poucos metros de onde estava. Como olhos de jornalista não descansam nem na hora do lazer, comecei a prestar atenção nos detalhes de um espetáculo feito para seduzir: som, cores, gente bonita e inúmeras câmeras de TV procurando os rostos que estavam lá para ver e serem vistos. Aos poucos, o Mineirão repaginado foi tomado pelos canarinhos. Difícil conter o impulso de postar cada cena nas redes sociais, na tentativa de compartilhar todo o clima de alegria. Quando o hino brasileiro começou a tocar, o coração descompassou. Depois do momento solene, vários gritos de ordem começaram a ecoar. O jogo era nosso, pensei precipitada.

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O banho de água fria veio no primeiro gol da Alemanha. De novo, pensei: ainda bem que foi no começo, porque assim haverá tempo para recuperação. Doce ilusão. Logo em seguida, o segundo gol do adversário. Seria possível? Quando nem tinha me refeito, o terceiro e, minutos depois, o quarto. Olhei no relógio: 17h24. Como, em 24 minutos, a Seleção Brasileira tinha desenhado uma derrota deste nível?

Em meio à goleada, me lembrei de 1950. Cresci ouvindo meu pai falar do dia em que o Maracanã emudeceu na derrota do Brasil na final contra o Uruguai, dentro de casa, na primeira Copa realizada no país. Sempre tentei imaginar o que sentiu cada torcedor verde-amarelo que, como ele, pisou no estádio aquele dia. Sessenta e quatro anos depois, as posições se inverteram. Agora era a minha vez de contar para o meu pai, na época, octogenário, que a goleada de 7 a 1 no Brasil fez mais de 60 mil vozes se calarem no Mineirão, silenciando por tabela outros 200 milhões de torcedores-sofredores nos quatro cantos do país.

Mesmo decepcionada, não pude deixar de admirar a torcida alemã, que fez bonito durante toda a partida. Apesar da desvantagem numérica, eles chegaram ao Mineirão em festa. E nem toda a cantoria brasileira conseguiu abafar a sonoridade deles. Em gestos ritmados, os rivais intimidaram a nossa torcida. A festa que era nossa ganhou novos anfitriões. De repente, éramos nós os penetras em um estádio agora tomado pela euforia dos caras-pintadas de preto, vermelho e amarelo. No quinto gol alemão, a torcida entoou um “Rio de Janeiro, ô, ô, ô, ô”, fazendo referência à final que a seleção alemã disputaria na Cidade Maravilhosa. Foi ensurdecedor.

Apesar daquela humilhante partida, eu entendi que testemunhava um momento histórico do futebol, quando os gigantes de pouca estratégia se quedaram diante do talento de um time que, naquele momento, não tinha nenhuma tradição no quesito carisma, mas com capacidade de trabalhar em equipe. Durante dias, fiquei pensando no sabor amargo da derrota e se o comportamento da equipe brasileira em campo era fruto de uma escalação equivocada ou reflexo das relações sociais e da nossa incapacidade de agir como uma coletividade.

Hoje descrevo para o meu filho todos os detalhes do nosso 8 de julho de 2014, o dia que jamais queríamos ter vivido. Assim como meu pai, posso contar para Diego que eu estava lá! Para segurança de todos, no entanto, nem eu, nem meu pai – hoje nonagenário -, iremos a nenhuma partida da Copa 2018. Ficaremos no Brasil assistindo tudo pela TV e torcendo para que, desta vez, a taça do mundo volte para casa.

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