Precisamos falar sobre jogos violentos


Por Daniela Arbex

17/03/2019 às 07h00

O massacre na Escola Estadual Professor Raul Brasil, que resultou no assassinato de nove pessoas e no suicídio de uma na cidade de Suzano (SP), precisa significar mais do que um episódio de consternação e comoção coletiva. Para além da dor das famílias que perderam seus filhos e também a esperança no futuro, há um debate profundo que deve ser feito no país sobre o tipo de entretenimento que crianças e adolescentes estão consumindo.

A suspeita de que o ataque tenha sido potencializado por organização criminosa na internet, através de redes de comunicação anônima usadas para circulação de conteúdo ilegal, é apenas a ponta do iceberg. Antes de mergulharem na “deep web”, conhecida como web profunda, os autores do crime participavam de jogos on-line de combate com armas e faziam disso um hábito. Sei que seria simplista demais associar o gosto por jogos violentos ao atentado cometido por pessoas que experimentavam uma completa desestrutura familiar, mas ignorar que a prática desses jogos resulta na banalização da vida é tentar não ver o que está acontecendo dentro de nossas casas. Enfurnados em mundos particulares, meninos e meninas têm trocado a convivência social pela virtual. Quem de nós não conhece uma criança ou adolescente que passa horas a fio diante do computador, alheios a tudo o que acontece ao seu redor?

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Meu filho, que completa apenas 8 anos neste domingo, me surpreendeu dias desses ao participar de um jogo eletrônico com multijogadores on-line. Eu, que não faço parte de uma geração tecnológica, custei a entender como ele tinha conseguido se conectar com outros meninos e participar de atividades e desafios simultâneos sem sequer ter saído do meu lado. O fato é que descobri que muitos dos jogos que ele curte sempre eliminam alguém. E não estou falando dos jogos criados exclusivamente para matar, proibidos lá em casa. No entanto, como é uma morte fictícia, o jogador tem múltiplas vidas e sempre aquele que é derrubado pode voltar à cena. Quais os efeitos dessa matança virtual no comportamento da vida real? Diego tornou a me surpreender ao perguntar, recentemente, se pessoas más deveriam ser mortas. “Mamãe, um bandido, por exemplo”, disse, completando seu raciocínio.

Aquela frase acendeu em mim um sinal de alerta e me fez pensar que todo o trabalho que desenvolvemos em casa – voltado justamente para a valorização da vida e o respeito ao outro – pode estar sendo comprometido pelo universo paralelo dos videogames. Me arrepia imaginar que a ideia de que algumas pessoas merecem morrer ronde cabecinhas ainda tão infantis. Ignorar esse efeito na vida de nossos filhos não é só mera indiferença. É omissão coletiva.

Se nós não discutirmos o impacto dos jogos violentos sobre a infância e juventude brasileiras, continuaremos lembrando aniversários de morte: 20 anos do massacre de Columbine, nos Estados Unidos, oito anos do assassinato de Oslo, na Noruega, quando 77 pessoas – a maioria estudantes – foram assassinada em 2011. O ano é o mesmo da morte de 12 alunos assassinados em escola do Bairro Realengo, no Rio.

Talvez a gente atribua a exagero a possibilidade de “simples jogos” serem capazes de influenciar o comportamento de crianças, adolescentes e adultos. Mas se estudos mostram que eles podem, sim, causar ansiedade, fobia e depressão, além de dependência, descartar o impacto da matança virtual é imprudência. A morte não pode ser tratada como divertimento, porque a violência como espetáculo nos desumaniza.

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