Que não nos roubem o que temos de melhor
Ao percorrer as águas de Francisco, o rio tratado como gente da família por quem depende dele, pude perceber que o homem resiste a quase tudo na vida, desde que não perca algo essencial: a esperança. No chão onde pisei, faltava água, peixe, energia elétrica, mas havia abundância de fé, ideal, vontade de prosseguir e deixar marcas nos caminhos por onde a gente simples do semiárido mineiro passa.
A sabedoria de povos que não conhecem as letras me fez sentir pequena diante da grandeza dos homens do sertão. Mesmo vivendo à margem de um país igualmente esquecido, os sertanejos não desistem de ocupar seu lugar neste Brasil. Recebem o mínimo sem abrir mão de lutar com a força máxima de que dispõem. De todas as pessoas que entrevistei, ouvi palavras de alento. A dor de ver o Velho Chico ser tão maltratado por um ideal de desenvolvimento que tem se mostrado (in)sustentável não tirou dos barranqueiros a sede de um amanhã melhor.
Para nós, os filhos de uma sociedade cada vez mais urbanizada, o jeito deles pode parecer conformação. Mas para as crias de um espaço rural ameaçado, perseverar é mais do que um verbo transitivo, é meio de sobrevivência, já que a terra é o que lhes traz identidade. E, diferente da gente do asfalto, o povo da margem luta por si e para que os que estão ao seu redor sejam beneficiados por direitos que eles pleiteiam para todos. Quando o assunto é coletividade, as comunidades tradicionais da bacia são-franciscana dão aula para muitos de nós, graduados.
A rica experiência jornalística por esse país de pé no chão me mostrou que a gente precisa aprender com a dureza quase poética dos filhos de Francisco, o rio do qual dependem cerca de 10% da população brasileira. É que eles não podem se dar ao luxo do desânimo. Desesperança, na visão deles, é coisa de quem tem tempo para gastar em lamentações.
Que 2016, ano no qual a crise econômica impactará ainda mais os custos sociais, não roube de nós o que ainda temos de melhor: a capacidade de recomeçar.