Pisaram um girassol no meu quintal


Por Wendell Guiducci

23/10/2018 às 07h00

Pisaram um girassol no meu quintal.

Um girassol ainda pequeno, semeado há uns três meses, e que regamos, eu e minha filha, diariamente, observando seu crescimento desde o momento em que brotou curvado e verdíssimo para fora da terra.

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Foi pisado por um desavisado, uma pessoa querida com quem conversava enquanto caminhávamos e, inadvertidamente, ignorante do que era aquele matinho, parou com suas botas justamente em cima do caule nascente, a primeira flor prestes a desabrochar. Ele não sabia o estrago que fazia até perceber em que pisava.

– Me desculpe -, disse o amigo.

– Imagina, acontece, vamos em frente -, respondi, sabendo que teria de lidar com aquilo posteriormente.

Depois que o estimado conviva foi embora, contei à minha filha que o girassol que tanto nos é caro fora esmigalhado e partido ao meio. Bastante chateada, ela correu a ver a futura flor em frangalhos, dobrada sobre si mesma, derrotada.

– Acabaram com nosso girassol, pai…!

– Temos três opções -, eu arrisquei. Uma é arrancá-lo daí e buscar uma nova semente. Outra é pegar uma tesoura e cortar onde o caule foi quebrado, regar e ver se ele cresce de novo. A outra, mais trabalhosa, é pegar uma varinha, amarrar o girassol a ela para que fique de pé novamente e tentar recuperá-lo dia após dia, como um médico faz com um osso quebrado.

(Meus conhecimentos de botânica, o perspicaz leitor a esta altura já deve ter notado, são absolutamente nulos.)

O que importava era salvar o girassol, tentar restabelecê-lo da maneira que pudéssemos.

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Diante da irrevogável avaria daquilo que tanto estimamos, priorizamos a via mais trabalhosa, que nos exigirá labor diário e paciência. Tomamos um pedaço de barbante e uma varetinha, amarramos a ela o caule destruído e pronto. Desistir do girassol não era para nós uma opção.

Agora ele está lá fora, escorado na varinha, esperando que o reguemos e cuidemos para que em breve possa, sozinho, voltar a ficar de pé e resplandecer ao sol que nesses dias lúgubres anda raro.

Do amigo não guardo mágoa alguma. Ao contrário, espero recebê-lo em breve para que, juntos, possamos tomar umas cervejas no quintal, observando, verde e solar, o girassol que, por descuido e ignorância, quase demos por acabado.

Ilustra esta crônica “O pintor de girassóis”, retrato que Paul Gauguin fez de Vincent Van Gogh em Arles, na França.

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