Da sua prima, Elza Leão


Por Wendell Guiducci

23/06/2020 às 07h00- Atualizada 23/06/2020 às 13h28

Dona Elza acaba de instalar o zap zap no celular. Uma prima a adicionou no grupo da família e agora ela manda mensagem de áudio todo dia. E é muito bonitinho o jeito da Dona Elza mandar mensagem, porque ela elabora sua fala como quem escrevesse uma carta. E assina no final:

– Da sua prima, Elza Leão.

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As outras primas – a mais jovem tem 74 anos -, mais experimentadas nesse negócio de zap, fazem chacota da Dona Elza no privado.

– Viu a marmota da Elza?

– Coitada da Elza, não está em dia com a tecnologia.

– Tem as filha doutoras mas não sabe mandar uma mensagem de zap.

Diferente das primas sabichonas, Dona Elza não diferencia privado de coletivo, então, quando quer falar alguma coisa em paralelo com alguma das primas, manda ali no grupo mesmo, achando que está falando em particular. Nada que ofenda ninguém, pois um coração de ouro, mas tadinha da Dona Elza.

Conta histórias de antigamente. Lembra de amores juvenis. Passa simpatia para bico de papagaio, bexiga caída e gota. Tudo achando que está falando na privança de uma confidência, quando, de fato, está mandando pra geral se esborrachar de rir. E no final assina:

– Da sua prima, Elza Leão.

É bonitinho o jeito da Dona Elza mandar mensagem, seja o destinatário o grupo ou alguma prima em particular, porque ela desenvolve seu raciocínio à moda das antigas correspondências. “Espero que esta as encontre muito bem e dispostas.” Ou então “Como vai, minha querida prima Maria das Graças.” E daí segue seu elóquio até a indefectível rubrica.

Na sua inocência, Dona Elza não sabe de muitas coisas, inclusive que é um ás da literatura oral epistolar. Isso ninguém há de contá-la, pois é comum não reconhecermos os grandes talentos quando deles somos contemporâneos.

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O problema é que, diferente das cartas célebres de Ziraldo a Drummond ou de Fernando Sabino a Clarice Lispector, que de tão boas viraram livro ou exposição, as singulares mensagens de Dona Elza se perderão na impermanência que ora governa os registros de nossas relações. Encerrado o grupo, perdidos os celulares, finadas as donas, desvanecerão também as palavras cuidadosas

da sua prima,

Elza Leão.

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