Paris era uma festa


Por Wendell Guiducci

20/04/2021 às 07h00- Atualizada 20/04/2021 às 14h59

Paris é uma festa móvel que se carrega no coração, onde quer que você vá. Quem disse foi Ernest Hemingway, que lá viveu quando jovem. “Há apenas dois lugares no mundo onde podemos ser felizes: em casa ou em Paris”, escreveu, melancólico, já no fim da vida.
Mas Paris agora nos é negada até pra um cafezinho no Charles De Gaulle. Primeiro porque não podemos pagar a passagem, nosso real não vale uma baguete dormida. Depois, por decisão do primeiro-ministro Jean Castex, dado o descontrole da pandemia de Covid-19 nestes tristes trópicos.
Hemingway foi a Paris. Oswald de Andrade também. Ciro foi e falou que ano que vem pode ir de novo, “com mais convicção”. Fernando Henrique foi e deu aulas. Lula foi – é cidadão honorário, inclusive. Santos Dumont foi e voou. Oswaldo Cruz foi. Virou nome de rua, paralela à Avenida Mozart.
Neymar foi, mas parece não gostar muito, pois monta em torno de si uma petite Baixada Santista. O técnico Bernardinho vai assim que der, treinar a seleção francesa de vôlei.
Meu amigo Lambari foi. Meu amigo Dudu também. Renata, minha cunhada, foi. Minha professora Marcinha. Mesmo eu já fui: bebi chope no Café de Flore, onde se reuniam Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Albert Camus. Bati perna pelo Boulevard des Batignolles até a Avenue de Clichy procurando o que sobrou do Café Guerbois, ponto de encontro dos impressionistas no século XIX – virou um amontoado de lojinhas que em nada lembram Monet ou Renoir.
Eu, inseto tonto na Cidade-Luz.
Paris atrai a gente que gosta de ler livro, ouvir música, passear em museu. É essencialmente uma cidade intelectualizada, de inúmeros sotaques. Lá, Murilo Mendes deu conferência sobre a cultura brasileira, num tempo em que éramos não apenas bem-vindos, mas requisitados.
Hoje suas portas estão fechadas para nós, tornados párias mundiais. A França, berço do iluminismo, lugar de progresso, tolerância, ciência, vira oficialmente suas costas para o Brasil, sua antítese: nossa voz oficial é de obscurantismo, regresso, negacionismo. Uma voz que sobe muros, nos isola do mundo e assombra nossa própria luz, a luz de Oswalds e Oswaldos, fulgores do florão da América.

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