A grama do vizinho


Por Wendell Guiducci

14/02/2017 às 07h00

Luana era quase feliz. Tinha um emprego maravilhoso e um maridão desses de sonho, que fazia o almoço e lavava a louça. Mas não tinha filhos. E isso a deixava bastante triste às vezes, porque queria muito uns bacuris. Cristina também era quase feliz. Tinha dois filhos lindos, um trabalho que amava, mas apenas suportava o esposo. Isso a deprimia de quando em vez. Roberta amava profundamente o homem que escolhera para passar o resto de seus dias e tinha uma filha absolutamente fabulosa, fruto de um namoro adolescente, mas tinha um emprego que nem era dos mais insuportáveis, mas pagava mal. Muito mal mesmo.

Alguma coisa sempre falta.

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De modos que, quando se encontravam, Luana invejava secretamente o fato de Cristina e Roberta terem filhos, e aquilo lhe doía especialmente quando elas vinham acompanhadas das crias. Da mesma forma, Cristina, que nunca estava acompanhada do marido, agarrado em frente à TV vendo futebol, pensava como seria bom ter alguém – um homem, uma mulher, um coqueiro que fosse – para amar. Doía-se a cada afago trocado entre as amigas e seus respectivos cônjuges. Roberta, por sua vez, admitia abertamente a penúria que era ficar permanentemente em negociação com o banco, usando cartão para cobrir cheque especial e cheque especial para cobrir cartão.

A grama do vizinho, como se sabe, é sempre mais verde.

Um filósofo de balcão de bar, retransmitindo outro de verdadeiro lastro, comentou certa vez que a frustração diante da experiência do vazio é coisa imposta pela cultura ocidental. Do meridiano de Greenwich pra cá, é de conhecimento público, a gente não pode ver um pasto que já quer plantar uns tomates. Nem o céu está a salvo: se tem um sobradinho dando sopa, o pessoal já quer passar o trator e subir um prédio de 20 andares, verticalizando chão acima a neura da ocupação territorial. E atrapalhando a vista. E assim vamos entulhando o mundo, porque assumimos que todo vazio deve ser preenchido. Não pode ficar lá, vago, apenas servindo à reflexão, espaço livre para manobrar nossos sentimentos e pensamentos e ações.

Talvez a ponderação daquele filósofo de balcão de bar, mero repetidor etílico de outro mais sábio, servisse às damas aflitas de nossa crônica.

(Menos à Roberta.)

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