Homo translucidus


Por Wendell Guiducci

12/09/2017 às 07h01

Habito um mundo de gente invisível.

A maioria esmagadora da população mundial é absolutamente invisível para mim.

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E para você também.

Invisível pelo motivo mais geograficamente óbvio: está fora do alcance da visão.

Mas invisível também e principalmente porque não entra em nosso radar de percepção nas ruas atulhadas, nos ônibus lotados e nos bancos cheios de desesperançosos.

Por pressa, desinteresse ou egoísmo, não notamos essa gente, dela não sabemos nada nem queremos saber.

São pessoas, para tomar emprestada uma classificação da física, transparentes.

E sobre elas não cabe julgamento.

E há também as opacas.

Estas, sim, ocupam espaço definido e importante em nossas vidas.

Relacionamo-nos com elas, dependemos delas em determinados sentidos, somos afetados e as afetamos na mesma medida – afetar no sentido original do verbo, ligado ao substantivo afeto. Depositamos nelas nossa confiança, nossa amizade, nossa fé, nosso amor.

Para mim são pouquíssimas, e eu quase apostaria que para você também, exigente leitor.

E, ainda segundo as leis da ótica, entre os transparentes e os opacos, há aquela gente translúcida.

Cuidado com os translúcidos – aconselharia o cronista se conselho fosse bom.

Os translúcidos são aqueles que não são totalmente invisíveis, porque estão aí, circulando como fantasmas de desenho animado.

Podemos ver através deles, mas não podemos deixar de percebê-los.

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E, note: escrevo que podemos ver ATRAVÉS deles, e não DENTRO deles, porque o que há dentro deles é igualmente translúcido.

Virtualmente oco, o homo translucidus é uma espécie que tende a vampirizar aqueles que estão ao redor para se alimentar da força alheia, da bondade do próximo, da alegria do outro.

E então segue seu caminho, sem nunca dar nada a ninguém, somente tirando, na tentativa – será legítima, honesta, inocente? – de preencher o próprio vazio.

Habitando esse lugar entre o transparente e o opaco, o translúcido relaciona-se à ilusão.

À miragem.

E como naqueles velhos cartuns, a miragem convida ao mergulho.

Para nos fazer quebrar a fuça na areia estéril.

O homo translucidus é danado.

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