Elenão


Por Júlia Pessôa

30/09/2018 às 07h30- Atualizada 30/09/2018 às 12h06

Desde que nasceu, Elena, como qualquer outra mulher, foi enquadrada no que se esperava que ela fosse – ou pelo menos assim tentaram que acontecesse. Mal o médico lhe deu famosa a palmada na bunda, e já lhe tascaram uma roupa cor-de-rosa e um laçarote de velcro no pouco de cabelo que tinha sobre a moleira, só para legitimar as primeiras palavras que lhe disseram quando aportou no mundo: “É uma menina”. Passou boa parte da infância com olhos tristes vendo os meninos do bairro jogando futebol na rua, correndo livres e esfolando os joelhos morrendo de rir, o que era mal-visto para pernocas de uma garota, quase sempre comandadas pela ordem “senta direito!”.

Mas Elena nunca foi de se deixar domar, e vez ou outra ia arriscar uns dribles com a molecada, inclusive com outras amigas, crianças que eram todos e todas, na avidez por brincar. Boa de bola, deixava muitos meninos mordidos e, invejosos, apelidaram-na “Elenão” – porque, em suas cabeças, não havia possibilidade de uma garota ser melhor jogadora do que eles. (Tolos, justo no país de Marta, seis vezes a melhor do mundo no esporte!). Um dia, Elena se cansou do desgaste e irritação causados pelas provocações de quem não aceitava que ela ocupasse os espaços que quisesse. E decidiu, ainda menina, que nunca mais permitiria que alguém lhe dissesse o que podia fazer pelo simples fato de ser mulher.

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E assim seguiu, inabalável, pela vida inteira. Elena fez o que quis; beijou quem quis; vestiu o que quis, andou – não sem morrer de medo – pelas ruas que quis; e levou, com ela, várias outras mulheres ao longo de sua trajetória. É que ela havia descoberto o segredo que passam uma vida tentando esconder de nós, e passou adiante: Juntas, somos uma força irrefreável e que se retroalimenta, capaz de mover céu e terra para gritar contra tudo que nos foi negado, reprimido, culpabilizado, violado, tomado, estuprado e violentado por séculos e séculos de história. Agora, quem em outros tempos zombou de Elena e de tantas como ela, teme os milhões de mulheres – e também de homens – que não vão mais admitir que isso aconteça. De uma Elena, milhões. Ela, gigante: Elenão.

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