As meninas


Por Júlia Pessôa

22/11/2015 às 07h00

Eu poderia falar sobre o doloroso disparate de ver um crime ambiental literalmente se arrastar por estados, ou sobre quem saiu de casa para viver a sexta à noite e acabou virando estatística de um banho de sangue. Podia pensar sobre nosso conceito unívoco de terrorismo, e sobre como gente branca de classe média como eu jamais vai saber o que é ser julgado pela cor da pele, pelos cabelos, pelos traços faciais. Mas só por hoje, quero deixar as feridas cicatrizarem em seu tempo. Quero tomar fôlego entre as falas, pensar menos sobre o que massacra nossa já escassa fé na humanidade, mais sobre o que nos engrandece e fortalece. Quero falar sobre as meninas.

É uma instituição vitalícia na existência de uma mulher, saiba ela ou não. Algo que ora se assemelha a um porto seguro, ora a um muro de lamentações. Não raramente, “as meninas” é o que nos encoraja a tomar as rédeas da vida quando ela desmorona. Elas mostram que o mundo é injusto, mas nem por isso a gente tem que desistir de ser feliz. Inclusive, estar com “as meninas” é felicidade certeira, ainda que entre muitas – muitas!- lágrimas. Elas vão entender e dizer: ” você não precisa enfrentar isso sozinha”. Vão te encorajar a comer mais um brigadeiro e também a entrar na academia. Quando discordarem de você, dirão: “você tá errada, mas tô do seu lado.” E estarão.

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Vejo as meninas na porta de escolas, rindo e apontando os crushes (nome da xufentude para “paquera”), sejam meninos ou outras meninas. Estão nas ruas, com os peitos de fora e gritando “fora”: “Fora Cunha!” (sempre bom repetir). Se passam juntas em um carro cantando, sorrio imediatamente, não importa o quão ruim tenha sido meu dia. Com certa frequência, avisto-as na porta das igrejas, tercinho à mão e cabecinha branca, batendo um papo antes da missa. Na internet, estão sempre nas postagens umas das outras: “você tá linda”. Estão mesmo, todas. No mundo off-line, muitas vezes elas se juntam e formam famílias, podendo virar mães de outras meninas. Posso saber muito pouco da vida, mas tenho essa certeza indissolúvel: enquanto puder dizer “vou com as meninas”, sei que vai ficar tudo bem. Sigamos juntas, meninas.

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