Desfile das Campeãs
Ao passo em que boa parte da população tenta tirar glitter de alguma parte do corpo, eu venho tentando – sem sucesso – tirar da cabeça algumas das idiotices que li no bloco das redes sociais neste carnaval. Lá estava eu vendo fotos e notícias da folia pelo país afora, e pois bem, vai a Bruna Marquezine, atriz, it girl, sei-lá-quantos-mil-seguidores, sair para o festerê com um sutiã de ferro (ou material parecido), bem daqueles de passista, e bastou isso para ser alvo de um fuzilamento digital. Seu “erro”? Não corresponder a um padrão cruel, injusto e doente que outras pessoas tiveram a pachorra de esperar para seu corpo. Nas postagens, “caídos”, “murchos”, “pequenos” e “#siliconeneles” foram algumas das coisas que li sobre os peitos da artista. No Instagram, a modelo Rafa Kalimann publicou uma foto de biquíni, numa cachoeira, cenário deslumbrante, e algum babaca comentou: “Faz uma lipo nas pernas”.
Eu poderia dizer que nem a Bruna tem os seios caídos e nem a Rafa tem as coxas gordas, o que é verdade. Mas realmente isso não importa. Porque nenhuma destas coisas é um problema. Chegamos a um grau de patologia social em que peitos que não são bolas duras e em riste e pernas que cometem o crime inafiançável de se esbarrarem – só para ficar nestes dois exemplos – não são mais reconhecidos como partes de um corpo, mas como defeitos. Pior: dá para saber que a sociedade está em morte cerebral coletiva quando as pessoas se sentem no direito absoluto de julgarem os corpos alheios, sobretudo os femininos.
E antes que me acusem de fazer cruzada contra cirurgias plásticas: tudo bem fazer lipo e por silicone – ou fazer qualquer outra intervenção estética. Mas tudo muito mal dizer aos outros que façam. De Photoshop em Photoshop, estamos perdendo a noção da realidade, tanto dos corpos de verdade quanto do que de fato importa: como nos sentimos sobre os nossos. A relação de cada pessoa com sua moradia eterna, isto é, o corpo que habita, é extremamente íntima, privada e normalmente difícil e/ou dolorosa, justamente porque não se respeita as duas primeiras premissas.
Crescemos, principalmente nós, mulheres, aprendendo que nosso valor é determinado, em grande parte – senão a maior -, pela nossa aparência, que deve atender a um padrão específico aos olhos do mundo. Não importa o quanto nos esforcemos para nos espremer nestes moldes, sempre faltará alguma coisa: 1 kg, 200 ml de peito ou bunda, uma chapinha, 10 cm de altura… Mas a vida é muito curta para que a gente não se ame como é, e agora.
Até uns anos atrás, eu morria de vergonha de passar batom escuro, porque de fato tenho uma boca grande, e achava que “não era pra mim”. Também não usava roupas muito coloridas, extravagantes e ousava em quase nada. Desde que parei de me medir pelas réguas alheias, saio por aí com um bocão vermelho (ou roxo, ou marrom, ou da cor que me der na telha) e figurinos que têm onça, brilho, muita cor e tudo mais que eu quiser. E nunca me senti mais em casa morando em mim.
Em tempos em que não há purpurina, máscara ou plumas capazes de fantasiar a crueldade humana com os corpos alheios, decidir se amar é o maior ato de revolução. No enredo da vida, o amor-próprio sempre terá vaga garantida no Desfile das Campeãs. Sambemos então, a avenida é toda nossa.