Meritocracia? Meu glúteo!


Por Júlia Pessôa

17/10/2014 às 07h00- Atualizada 17/10/2014 às 11h36

Das inúmeras bobagens que tenho ouvido/lido nessa época de eleição, algumas vêm incomodando mais que gola rolê nesse calor de matar que nos acomete há alguns longos dias. Muito além das opiniões contrárias – que não são poucas ou agradáveis – à minha convicção como eleitora, estão argumentos que, a meu ver, ferem a noção do que é justo e humano, independentemente do time para que se torça neste violento Fla x Flu eleitoral (como bem quis metaforizar, mas não deixaram, Xico Sá).

Talvez o  conceito mais descabido, repetido por aí como mantra em templo budista, seja o de meritocracia. Para mim, defender esta ideia é algo tão pueril quanto cruel – ainda que isso soe paradoxal. Pueril porque, vejam bem, chega a ser inocente acreditar que basta o esforço, o comprometimento e o empenho para que o reconhecimento, remuneração ou as conquistas venham, automaticamente. É como se eu, que odeio – muito – malhar, esperasse emagrecer mais ou melhorar mais meus índices de gordura só porque passo por cima de minha vontade, minha preguiça e do ambiente naturalmente inóspito das academias. Já que meu sacrifício é maior  do que o de quem ama puxar ferro e usar aqueles trajes que não favorecem pessoa alguma, logo, por que minha recompensa não é maior?

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Sim, estou completamente ciente de que é um argumento simplório e um tanto idiota, mas, na minha parca opinião, é exatamente assim que são aqueles que defendem a tal da meritocracia.

Como disse, acho também um posicionamento cruel. Porque ignora solenemente o fato de  que as condições de batalha não são iguais para todo mundo. E pior: sempre pressupõe que quem não consegue o que almeja ou precisa não foi digno dessa conquista- por falta de dedicação ou devido a uma conduta “inapropriada” para que aquilo acontecesse. O massacre começa cedo, com as estrelinhas douradas que premiam os alunos que supostamente estudaram mais, e tiveram um desempenho melhor – mas muitas vezes nem abriram um livro. Aos burros – não por incapacidade intelectual, mas em menção ao animal mesmo, um dos que mais trabalha pesado -, mesmo que se matem de estudar, por terem dificuldades quaisquer, fica relegada a posição de preguiçosos, e a sensação eterna de não estarem fazendo o bastante. Crescemos nesta lógica e submetemos nossas crianças a ela. Não chega a surpreender que elas se tornem meritocratas egoístas quando adultas.

Francamente, de que adianta você me ensinar a pescar para merecer o peixe que como, se eu não tenho ou posso ter vara, anzol, ou isca? Dê-me o peixe por agora, que eu vou deixando de precisar comprá-lo. Em pouco tempo, poderei usar este dinheiro para adquirir todos os insumos necessários e, aí sim, partir para o sonho da pescaria própria.

Perdão pela vulgaridade, mas meritocracia? Meu glúteo! – inclusive para ele, que vem sendo contraído e relaxado diariamente em aparelhos, para mim, de tortura. Você pode votar em quem quiser, mas prefiro particularmente acreditar que a onda de defender esse sistema métrico que usa um suposto merecimento como régua (mas ninguém sabe quem é o medidor) tem a ver com essa névoa seca que anda cobrindo Juiz de Fora e tantas outras cidades, inebriando as pessoas, e impedindo a visibilidade clara do mundo para além de seus próprios narizes.

Ironicamente, a verdade sobre a meritocracia é: ninguém merece! E se você não consegue enxergar isso, o mérito –  esse sim – é todo seu.

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