Para cada pontada, um colo


Por Júlia Pessôa

15/03/2015 às 07h00- Atualizada 16/03/2015 às 09h57

Uma das mudanças mais penosas por que tive que passar foi virar adulta. Ao contrário de tanta gente, não tive que assumir as rédeas das contas ou de uma família após a perda dos pais ou quem quer que fosse responsável por mim. Não precisei desistir dos meus sonhos por causa de alguma perda de status financeiro familiar que me forçasse prematuramente a entrar no mercado de trabalho. Do mesmo modo, não fui obrigada a encarar as responsabilidades inerentes à maternidade por conta de uma gravidez precoce. Para ser sincera, o caminho foi fácil, e cercado de todos os cuidados e regalias possíveis por parte dos que me amam, privilégio em um mundo tão cheio de injustiças. Mas me desculpe, mundo: nem por isso foi indolor.

O passar dos anos é uma série de duras rupturas. Quando mais novos, tínhamos certeza absoluta e inquestionável sobre o que seríamos quando crescêssemos – possibilidades então infinitas. Agora ,somos o que somos, porque o tic-tac não espera. Assim, por mais felizes e realizados que estejamos com a vida, vez ou outra vem aquela alfinetada maldosa que nos faz pensar: “E se…?”.Antes, nossos pais eram gigantes: heróis imortais e inabaláveis. Hoje, uma pontada dolorida percorre a espinha sempre que nos lembramos que os anos e o colesterol são implacáveis e que, além de tudo isso, muitas lágrimas caíram em silêncio para que fôssemos íntegros, saudáveis e tivéssemos acesso ao melhor que nos podia ser oferecido.

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Existem ainda as mazelas da sociedade, que a gente só entende em sua dimensão – e, portanto, só sente doer – quando se torna “grande” de verdade. Filho de casal gay sendo covardemente morto por espancamento. Manifestações de religião, política ou o que quer que seja acabando em derramamento de sangue. Intolerância com o amor, a cor de pele e o gênero dos outros. O Coliseu diário de comentários odiosos em que se tornou a internet. Talvez o mais triste em crescer seja ir perdendo, pouco a pouco, a fé na humanidade- algumas pessoas mais do que as outras. (Eu, certamente, mais e com mais frequência do que desejaria).

Felizmente, vez ou outra surge uma recarga de esperança que faz ser adulto valer a pena: ver tanta gente fazendo o bem, em pequena e grande escala; sermos, nós mesmos, agentes de mudanças positivas para quem divide esse planeta agridoce conosco. Às vezes, basta uma amostra de ternura, daquelas que quase fazem a gente esquecer todo tipo de mazela por um instante. Vivi uma dessas outro dia, com minha afilhada Isabela, de 4 anos:

– Dinda Ju, eu vou ser pequena pra sempre, sabia?

– Não, Isa. Me diz…por que você não vai crescer?

– Porque senão não vou caber no seu colo.

E pulou nas minhas pernas, colo onde sempre caberá, não importa o quanto tema perdê-lo. Tudo isso sob os olhos atentos da minha mãe, que observava o momento por cima dos óculos, na sala ao lado, com um sorriso de soslaio. Por fim, entendi: em certos momentos, nunca hei de ser inteiramente grande, por mais que acredite no contrário.

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