Em favor deles


Por Júlia Pessôa

12/04/2015 às 07h00- Atualizada 22/04/2015 às 13h51

Na semana em que tanto se discutiu o temeroso projeto de lei que regulamenta a terceirização dos contratos de trabalho, minha amiga e também jornalista Táscia Souza argumentou sob um ponto de vista interessante: falou daqueles que parecem não se importar, por não se sentirem afetados por ele. É essa geração que me faz torcer o nariz mil vezes,  que acredita ser um enviado divino para determinada profissão -seja qual ela for-, justificando a força de trabalho com clichês como vocação e frases de autoajuda hipócritas, do tipo “amo o que faço, por isso nunca trabalhei um dia sequer.”

Não entendam errado: minhas profissão é uma das paixões que tenho, grande e arrebatadora. Mas em momento algum deixa de ser também meu sustento e um compromisso sério, que outros amores da vida não requerem com a rigidez que me autoimponho – e em alguns dias chuvosos e cinzentos, uma obrigação que eu trocaria por umas horas de edredon, como você e qualquer mortal. Por isso essa história de “seguir seu dom sem se preocupar com pagamento” me soa coisa de gente que, de fato, não precisa trabalhar. Consequentemente, não se sente afetada pela possível legislação que amplia a terceirização e poda os direitos do trabalhador. Fosse vivo, Getúlio Vargas (que não era santo e a gente sabe), pai da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), se mataria de novo.

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Essa gente especial demais para se sentir parte de um todo está por aí, dizendo que você é um babaca por comprar seu apartamento em vez de fazer um mochilão. Bradando que largaria tudo por uma vida simples com horta orgânica, mas comprando de marcas “sustentáveis” que usam mão de obra escrava. Criando e abandonando novos “projetos” porque não dependem que eles dêem certo ou saiam do papel para sobreviverem. Desmerecendo nossas conquistas profissionais sob argumentos de que “seu trabalho não pode ser sua felicidade”. Quem disse? A felicidade é nossa e vem de onde a gente quiser.

Vivemos na época em que tudo é “justificado” pelo argumento simplório do “recalque”. “Criticou o padrão de beleza magro? É gorda”. “Quer direitos humanos pra marginal? Leva pra casa.” “É a favor da criminalização da homofobia? É bicha!” Transbordam palavras duras e falta algo tão simples e definidor de sociedade: pensar no outro.

Quando li as palavras da Táscia, logo me lembrei daquele poema famoso do pastor alemão (não o cão, um pastor luterano) Martin Niemoller, que todo mundo já deve ter lido na Internet, dizendo que “primeiro eles foram atrás dos comunistas, mas eu não falei em favor deles, porque não era comunista”… E por aí vai, até que de tanto não falar “em favor deles”, quando foram atrás do interlocutor, surpresa! Não havia ninguém para falar em seu favor. Estão indo atrás dos trabalhadores e não sabemos o que vai acontecer. Mas o futuro de quem não falar em favor deles a gente já sabe.

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