Nas nuvens


Por Júlia Pessôa

04/02/2018 às 07h00

Quem me vê nas redes sociais cheia de carão e batonzão – e nessa época do ano, glitter e peruca – custa a acreditar, mas eu sempre fui muito insegura. Ao longo de toda minha vida, só a possibilidade de qualquer opinião alheia sobre mim, positiva ou negativa, me afetou profundamente. Como era de se esperar e como bem já expus nesta coluna, minha saúde mental não saiu ilesa disso, e até o dia de hoje, sempre que estou sob pressão, ou que muita coisa está acontecendo na minha vida (para bem ou mal), estou sujeita a ataques de pânico e ansiedade, com os quais hoje lido bem depois de ter sido diagnosticada e tratada.

Dito tudo isto, é estranho pensar por que alguém como eu resolve se expor tanto numa verborragia semanal e pública, assim como faço agora. Em primeiro lugar, é porque o tempo passa e a gente percebe duas coisas: uma é que as pessoas, na realidade, não estão dando a menor pelota para nós, portanto sequer estão pensando em ter uma opinião a respeito. A outra é que, caso tenham de fato algum julgamento sobre o que somos, este pertence só a elas. Então, a menos que quem te ache incompetente seja seu chefe, quem te veja fria seja seu amor e quem te chame de mala sejam seus amigos, o que os outros pensam não tem qualquer valia. Um dia a gente cresce e percebe isso – embora não sem dor.

PUBLICIDADE

Mas tem um outro motivo, muito maior, para que eu não me cale. Todas as vezes em que uso, muito humildemente, este espaço público de opinião para apontar e criticar desigualdades, preconceitos, injustiças e desrespeitos – ainda que escrevendo do topo de uma montanha de privilégios -, não falo só por mim – muitas vezes, nem posso me incluir no pacote. Mas sempre que meu discurso ameaça alguma posição de poder e opressão sobre outras pessoas, uma metralhadora de ódio vira-se contra mim, pessoalmente, como mulher, profissional e humana. E tudo bem – mesmo, juro!

Porque é exatamente quando sei que toquei em uma ferida que ainda precisa ser muito cutucada, um assunto que precisa realmente ser discutido à exaustão. “É minha opinião”, “É o que eu acho”, “Penso assim”: se este argumento tira o direito de alguém, não é liberdade de expressão, é opressão. E, enquanto eu tiver mãos para escrever combatendo este tipo de pensamento, é exatamente isso que farei.

Na semana passada, ao criticar veementemente a forma como a sociedade legitima a alienação dos pais da criação de seus filhos e vê este ofício como dever absoluto da mãe, quase não tive críticas sobre meus argumentos. Mas recebi, em troca, alcunhas como “otária”, “esquerdista recalcada fazendo intriga”, “chifruda”, “chata”, “doente mental”, “feminazi”. É como se eu ameaçasse tomar o doce de uma criança mimada e ela retrucasse: “boba e feia”, aos prantos. Por isso mesmo, se o que escrevo ameaça de alguma forma tomar o docinho privilegiado de homem, hétero, cis, branco e de classe média (obviamente estou falando de condições estruturais de favorecimento) e faz de mim uma “chifruda” – só para usar o adjetivo mais divertido -, eu peço que avisem às nuvens. Porque é lá que eu espero que meus galhos cheguem, pois tenho planos de ser muito, muito mais chifruda. Não importa o quanto as crianças mimadas chorem.

O conteúdo continua após o anúncio

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.