Sobre esperanças e tempos


Por Júlia Pessôa

01/04/2018 às 07h00

Caxias que sou, já havia me precavido e deixado uma coluna prontinha para o feriadão. Contrariando meu pessimismo crônico, eu falava sobre como mesmo nos tempos horrorosos em que vivemos, era preciso manter um fio de esperança que nos mova e nos motive para lutar por dias melhores. No mesmo dia, fui dormir depois de uma noite leve e ótima com gente querida, só para acordar e ser atocaiada por várias notícias que constatam o que a gente vem tentando varrer pra debaixo do tapete: estamos em queda livre em um poço infinito de ódio, de fascismo e de violência.

Não importa quais sejam suas crenças políticas, religiosas, sociais ou o escambau. É somente falta indissolúvel de qualquer senso de humanidade achar normal e/ou aplaudir que qualquer pessoa, repito: QUALQUER PESSOA, seja assassinada. É a premissa que nos separa(va) da barbárie. Vale para a vereadora eleita Marielle Franco, sumariamente executada – jamais silenciada. Para seu motorista, Anderson Gomes, morto só por sê-lo. Vale para os cinco adolescentes negros de Maricá (RJ), engajados em suas comunidades, vítimas de uma chacina poucos dias depois. Vale para o ex-presidente Lula, que teve sua caravana atacada a disparos de arma de fogo, crônica da bala anunciada, já que antes os ônibus, já haviam sido recebidos com pedras e ovos.

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E quando digo que absolutamente ninguém deve ser assassinado, também me refiro ao inominável, aquele que defende que mulher ganhe menos porque engravida e que ser gay é falta de porrada, entre outras atrocidades. Igualmente, não merece ter a vida tirada ninguém envolvido em esquemas de corrupção e governos ilegítimos; defensores da violência física, social e moral; racistas; machistas; fascistas; preconceituosos em geral, ou qualquer pessoa da pior estirpe possível. Também falo de você, que me lê. De mim. Ninguém, ninguém neste mundo deve ter sua vida apagada, tomada, violada. NINGUÉM.

Eu queria muito ter podido manter meu texto sobre esperança, mas voltamos aos tempos cunhados por Drummond, em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, com Hitler dizimando inocentes em massa, sem despentear um fio daquele bigode maldito. Nas palavras do poeta: “tempo de absoluta depuração”. No mesmo poema, Carlos fala que “Alguns, achando bárbaro o espetáculo,/ prefeririam (os delicados) morrer.”. O sentimento esse – não que eu seja um poço de delicadeza-, aliado ao pavor extremo de que nosso sebastianismo incurável faça o país cair na conversa de um novo líder armamentista, preconceituoso, extremista e desgraçadamente carismático. De fato, Drummond, cada morte violenta (ou tentativa) dos últimos dias faz a gente morrer (ou querer) um pouco. Mas por pouco tempo, só até as feridas não estarem tão expostas, para estarmos prontos e prontas para resistir mais uma vez, e cada vez mais fortemente.

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