Fernández é peronista. Maradona, também


Por Gabriel Ferreira Borges

29/10/2019 às 07h01- Atualizada 29/10/2019 às 07h02

Em 2015, Mauricio Macri lançou-se à corrida presidencial da Argentina após dois mandatos à frente da Prefeitura de Buenos Aires. Reivindicando o antikirchnerismo, Macri fez oposição ao governista Daniel Scioli no pleito à época. Oligarca, a política era a Macri um caminho natural. Entretanto, construiu o próprio capital político à margem da política institucional. Entre 1995 e 2007, presidiu o Boca Juniors. No período, quatro Taças Libertadores da América conquistadas – 2000, 2001, 2003 e 2007. O sucesso esportivo lhe lançava com força no cenário político portenho. No entanto, Macri peitou o kirchnerismo; pior, peitou Diego Armando Maradona.

Em 1997, Maradona encerrou a carreira no próprio Boca Juniors, já sob a tutela de Macri. Pois um ano antes, a revista “El Gráfico” já trazia à capa a pouco amistosa relação entre ambos: “Se odeiam? Diego Maradona e Mauricio Macri. O craque e o presidente. Uma polêmica interminável.” Maradona já estava longe de seu auge, mas Macri não dera à Argentina uma Copa em que eliminara a Inglaterra poucos anos após a Guerra das Malvinas. Macri viria somente a aprofundar o estado de mal-estar social argentino. Há tão somente uma religião na Argentina: o paganismo, pois Diego Armando Maradona e Juan Domingo Perón são seus deuses. Maradona, inclusive, é peronista.

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Pois quis a liturgia pagã que a derrota eleitoral de Macri, neste domingo (27), ainda em primeiro turno, tivesse requintes de crueldade. Alberto Fernández, futuro presidente da Argentina, é torcedor do Argentino Juniors, que revelara Maradona para o futebol. Não bastasse o infortúnio, Cristina Kirchner, vice-presidente na aliança, é aficionada do Gimnasia de La Plata, agremiação atualmente treinada por Maradona. Aliás, o pleito aconteceu em pior momento possível para o atual líder do Governo: o Boca, outrora de Macri, esmorece, por dois anos seguidos, na Libertadores, frente ao maior rival, River Plate, sendo uma na finalíssima. Não há misericórdia alguma.

Ainda que vulnerável ao tempo como nunca, a imagem de um extenuado Maradona é indiferente ao povo argentino. Apenas a imagem do jogador é suficiente para quaisquer convulsões sociais; a apresentação como treinador à hinchada do Gimnasia de La Plata é mais uma prova cabal. Pois, coincidentemente, eis que o peronismo retorna à Argentina a galope de uma de suas imagens mais sacras: Diego Armando Maradona. Em meio à grave crise social, os argentinos deram-se o direito ao êxtase. As ruas de Buenos Aires falam por si só. A festa pagã acabará tão logo o peronismo volte a ser somente uma esperança.

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