A multinacional Neymar

A carreira do brasileiro é, até aqui, bem sucedida, mas, paradoxalmente, caracterizada por uma sensação agoniante de incompletude


Por Gabriel Ferreira Borges

25/08/2020 às 07h00- Atualizada 25/08/2020 às 09h49

Neymar é refém de um acordo tácito que ele mesmo firmou. Sempre quisera ser reconhecido como o melhor jogador do mundo apesar de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Desde 2007, o Brasil não alça um jogador a tal posto. Neymar, então, condenado a ser uma multinacional desde criança, deixaria o Barcelona rumo ao Paris Saint-Germain, sentenciado a ser um instrumento de política externa do Catar. Por fim, a transferência juntaria a fome e a vontade de comer. O brasileiro fatalmente seria o melhor jogador do mundo caso protagonizasse o primeiro título da Liga dos Campeões da Europa conquistado pelo clube parisiense. Não sabemos, no entanto, se Neymar protagoniza uma epopeia ou uma via crúcis. Apenas que está em busca de redenção.

Neymar é o único desportista brasileiro em atividade que sintetiza todas as características de brasilidade. O último havia sido Ronaldinho Gaúcho – a linhagem tem como pioneiro Mané Garrincha. Mas, fadado a ser uma marca, Neymar luta consigo mesmo em busca de algo desde o início já perdido. A carreira de Neymar é, até aqui, bem sucedida, mas, paradoxalmente, caracterizada por uma sensação agoniante de incompletude. A idolatria não pode ser um projeto de uma pessoa jurídica; a idolatria é simplesmente conquistada. Ninguém exigiu a Neymar que buscasse a idolatria nacional unânime, como Ayrton Senna e Guga. Afinal, não se discute se um atleta está ou não no panteão de ídolos de um país. Tampouco cobrou-se que Neymar fiasse o projeto político-econômico de um Estado perante a cultura ocidental.

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Neymar ensaia uma trajetória certo de que haverá um ato final de redenção grandioso. Desde a fratura na vértebra lombar na Copa do Mundo de 2014 – quando, aos 22 anos, fora sentenciado a exorcizar o Maracanazo – à derrota para o Bayern de Munique na final da Liga dos Campeões da Europa, no último domingo (23), depois de mobilizar um sem número de brasileiros em sua empreitada. E Neymar sabe que a remissão perfeita é a Copa do Mundo de 2022, a ser realizada, coincidentemente, no Catar. Até lá, Neymar possivelmente espera que já tenha sido nomeado melhor jogador do mundo. E que o Paris Saint-Germain seja o segundo clube francês a ter um título europeu depois do Olympique de Marseille. O hexacampeonato seria o ápice da multinacional Neymar, mas o futebol é ditado mesmo pelo o que há de mais imponderável.

Neymar escolheu buscar a idolatria quando lhe bastaria ser um jogador. Se não a alcançar, o que lhe restará? Hoje, Neymar parece não lidar bem com o acordo tácito a que se propôs. Para Neymar, bastaria o lúdico. A caneta. A lambreta. O gol. Ser tomado pela surpresa e nos surpreender. Mas ele acreditou que é predestinado a algo que talvez não seja, o que não significa dizer que seja fracassado, diga-se. Ainda há tempo para lidar com a agonia de não ser um ídolo nacional. O tempo que se esgota é aquele em que prometeu, junto a Paris, emprestar ao Catar o encanto do qual um emirado absolutista do Oriente Médio naturalmente carece. E o encanto fora a única coisa mendigada pelos brasileiros.

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