Jogos de azar

Há atualmente uma relação despudorada entre casas de apostas e modalidades esportivas


Por Gabriel Ferreira Borges

17/08/2021 às 07h00- Atualizada 17/08/2021 às 13h38

Embora jogos de azar sejam sedutores, nunca fui um entusiasta. O azar já bate à porta corriqueiramente sem que invista sequer um centavo. A expectativa angustiante pelo resultado da aposta não me convence suficientemente para pagar por uma mísera chance de sorte. É verdade que vez ou outra sou arrebatado pela comoção desenfreada. Não há como fugir dos bolões de Copas do Mundo. Ou da Mega da Virada. Apostas reivindicam aspectos de sociabilidade que poucas atividades são capazes de reunir.

betano-fluminense-a-palo-seco-by-lucas-merçon-divulgação
Fluminense é apenas um dos tantos clubes da elite nacional que estampam marcas de casas de apostas no uniforme (Foto: Lucas Merçon/Fluminense/Divulgação)

Quando criança, Vó Magda às vezes me pedia para jogar no bicho. O recinto de secos e molhados ficava a poucos metros de onde morávamos. Já ia com o animal gravado na maioria das vezes. Mas, em outras, Vó Magda fazia um agrado. Cabia a mim mesmo, de sabedoria incontestavelmente duvidosa, decretar a aposta semanal da família. A empreitada me colocava em condições de exigir uma contrapartida, afinal. Viria a descobrir anos depois que jogo do bicho é contravenção. Só que há coisas mais preocupantes em cidades do interior.

PUBLICIDADE

Já o meu pai é um fiel apostador de loteria – desses legalizados mesmo. As apostas são como hóstias para lotéricas. Paga-se a luz e a água como dízimo, mas se faz um joguinho para manter a fé em dia. Quando o acompanhava até as lotéricas, insistia para que eu mesmo preenchesse os papéis. Aliás, ele os guardava em bolos em casa. Apesar da assiduidade, nunca ganhamos algo relevante, o que pode, no fim das contas, explicar a minha relação com apostas. São lembranças que beiram o folclore afetivo.

Mas há atualmente uma relação despudorada entre casas de apostas e modalidades esportivas. De uns tempos pra cá, o futebol está tomado por anúncios. Casas de apostas estampam as camisas, os calções, os meiões e os estádios. Jogadores fazem propagandas, ex-jogadores também. Até jornalistas. E as apostas superam os resultados. Fazem uma fezinha em escanteios, em arremessos laterais, em faltas e desarmes. Justiça seja feita, os palpites on-line já não são mais ilegais. Mas não me convenceram que são menos libidinosos do que o joguinho que fazia pra Vó Magda.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.