As contradições da ginástica artística

Rebeca Andrade carrega com 22 anos toda a tensão do mundo não apenas por ofício, mas pela vida


Por Gabriel Ferreira Borges

03/08/2021 às 07h00

Ginastas carregam consigo toda a tensão do mundo. Normalmente, por ofício. Às vezes, pela vida. Mas a rigidez é inerente. A essência da ginástica artística até soa um pouco contraditória. Todo o esforço é feito precisamente para voar, mas a recompensa depende necessariamente de quão firme os pés são cravados no chão. Independentemente dos aparelhos. Seja na trave, seja no solo. Argolas ou barras fixas. Em algum momento o ginasta precisa devolvê-los ao chão. Talvez simplesmente aí esteja a beleza da modalidade.

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Rebeca Andrade conquistou o ouro na prova de salto e a prata no individual geral nos Jogos Olímpicos de Tóquio (Foto: Laurence Griffiths/Getty Images)

Rebeca Andrade carrega com 22 anos toda a tensão do mundo não apenas por ofício, mas pela vida. De quem deixou a mãe e os sete irmãos em Guarulhos aos nove anos para morar com a técnica em Curitiba, mas também das três lesões no joelho e outra no pé. Rebeca alçava seu corpo ao ar como uma das ginastas mais talentosas que lhe diziam ser. Só que sem saber ao cravar os pés no chão ou nas traves se os próprios joelhos suportariam tudo o que vivera em tão pouco tempo. Rebeca não precisava passar por tudo isso, mas só pode passar por tudo isso.

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Mas por vezes até a rigidez litúrgica da ginástica artística é subjugada pelas acrobacias, porque, no fim das costas, a perfeição pode ser enfadonha. Nem mesmo uma cravada às margens dos limites fixados ou então desequilibrada são contratempos irrevogáveis. Se Rebeca se cobrava por perfeição quando sussurrava para si mesmo antes de se lançar à mesa, as duas médias superiores a 15 no salto lhe mostraram que a ginástica artística pode ser tão incompreensível como a vida.

Rebeca encerra a participação em Tóquio como a maior ginasta brasileira, duplamente medalhista olímpica em uma mesma edição de Jogos. Medalhas suas, mas que também fazem justiça à linhagem a qual ela pertence, sobretudo de Daiane dos Santos. Se Daiane pudesse ter a história nas mãos em Atenas, certamente a entregaria a Rebeca Andrade. Rebeca provavelmente ainda carregará toda a tensão pela vida. Mas ao menos, por ofício, ela pode relaxar os braços e soltar os ombros.

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