Dudamel, Maduro e Guaidó


Por Gabriel Ferreira Borges

02/07/2019 às 07h18

“A derrota e a eliminação não nos fará mudar nada. Vamos seguir fortalecendo tudo o que queremos para ser uma seleção cada vez mais competitiva e aspirante a coisas grandes. Vamos [embora] com muita amargura, mas com orgulho do que conseguimos. Temos um time jovem, (…) otimismo para encarar o futuro”, concluiu Rafael Dudamel, técnico da Venezuela, após a eliminação, na sexta-feira (28), diante da Argentina, nas quartas de final da Copa América. Qualquer gênero literário heróico, a estória da Seleção Venezuelana seria miserável se resumida aos relvados. Pois é tão amarga, quanto orgulhosa.

A melhor geração de jogadores da história do futebol venezuelano emerge em meio à profunda crise humanitária do país. Ainda que seja a única seleção sul-americana a não ter participado de uma Copa do Mundo, a Venezuela colhe os melhores frutos de expressivo aporte financeiro estatal na base. Em 2017, a Seleção Venezuelana sub-20, sob o comando de Dudamel, foi vice-campeã do Mundial da categoria, depois da terceira colocação no Sul-Americano sub-20 no mesmo ano. A Vinotinto é responsável pela ilusão de um povo, embora, historicamente, seja mais envolvido com beisebol e basquete. Antes de enfrentar o Brasil, Dudamel declarara: “O Brasil tem a obrigação [de vencer] e nós, o sonho.”

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Mas Dudamel, como seus jogadores, está entre a cruz e a espada. À época do Mundial, após a vitória dos comandados sobre o Uruguai, Dudamel pedira, a Nicolás Maduro, cessar-fogo à repressão aos protestos da população. Em março último, por outro lado, colocou o cargo à disposição após o embaixador de Juan Guaidó na Espanha, Antonio Ecarri, utilizar a Seleção Venezuelana para propaganda política. Na ocasião, a Venezuela venceu, em Madri, amistoso contra a Argentina. Dudamel, por fim, permaneceu. Há rumores de que a maioria do vestiário seja contrária a Maduro. A Federação Venezuelana de Futebol (FVF), entretanto, está sob a guarda do ditador; Pedro Infante Aparicio, segundo vice-presidente da entidade, é Ministro do Esporte do regime.

“Não estamos isentos do que acontece (na Venezuela), seja bom ou mal, porque temos nossa família. Sofremos e desfrutamos, depende da situação”, afirmara Dudamel. A cultura futebolística de determinados países é fundamentada pela maneira como o povo reage às suas mazelas sociais. Certamente a Seleção Venezuelana de Dudamel já é um marco histórico na relação da sociedade com o esporte. A reivindicação às próximas gerações será por nada menos do que coragem e bravura, ao espelho do temperamento do treinador.

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