Artistas prestam homenagens a Iran Martins, vítima de Covid-19

Proprietário da Iran Molduras, ele estava internado há 15 dias; obras dos principais artistas de JF passaram por suas mãos nas últimas décadas


Por Tribuna

07/04/2021 às 13h22- Atualizada 07/04/2021 às 19h19

O moldureiro e marchand Iran Martins da Silva morreu nesta quarta-feira (7), aos 69 anos, vítima de Covid-19. Iran estava internado há 15 dias devido a complicações decorrentes do coronavírus e não resistiu a uma parada cardíaca durante a madrugada desta quarta. Ele era um dos mais proeminentes agentes das artes plásticas de Juiz de Fora, uma vez que obras desde Ângelo Bigi até Dnar Rocha, incluindo Carlos Bracher, passaram por suas mãos. O moldureiro deixa a esposa, Zaira Rangel Tonassi Martins, bem como três filhos. Ele era proprietário da Iran Molduras há mais de 40 anos, loja e galeria localizada na Rua Batista de Oliveira, cuja oficina ficava na Rua Fonseca Hermes. Não houve velório, e tanto o local quanto o horário do enterro não foram revelados pela família.

iran martins
Iran Martins da Silva, dono da Iran Molduras e negociador de arte (Foto: Reprodução/Facebook)

Além de moldureiro, Iran era marchand, dupla função destacada pelo pintor e amigo Carlos Bracher, cujas obras eram vendidas na galeria. Bracher o conheceu ainda “mocinho”, quando Iran trabalhava para Sidivan Ribeiro na Capela – Galeria de Arte ainda como auxiliar. “Lá, o Iran aprendeu o ofício, passou a se consignar ao mundo das artes e foi se tornando uma pessoa cada vez mais esmerada no sentido do empenho e do amor à arte e a todo o universo artístico”, conta. Após deixar a Capela, Iran fundou não apenas a molduraria a partir da qual fez o nome em Juiz de Fora, mas também a galeria. “A presença de Iran foi muitíssimo importante para a arte de Juiz de Fora. Há que se agradecer muito a atuação dessa brilhante figura e um amigo querido.”

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Durante décadas, Iran foi o único marchand de Juiz de Fora, já que, embora houvesse alguns particulares, apenas ele tinha uma galeria, acrescenta Bracher. “Não é fácil manter uma galeria, um lugar como este aberto publicamente.” A representatividade do moldureiro nas artes visuais de Juiz de Fora é tamanha que, conforme o pintor, a maioria das casas juiz-foranas têm quadros, gravuras e “às vezes mesmo uma foto comum” que passaram pelas mãos de Iran. “O percurso traçado por Iran foi muito bonito, porque é uma pessoa que se afeiçoou ao mundo artístico. De aprendiz com o Sidivan até moldureiro e marchand. Iran era pessoa muito humilde, elegante e digna. Ele se construiu com muita integridade. Tanto ele quanto a esposa, Zaira, são pessoas de grandes virtudes. Que Deus o tenha.”

‘Iran era um artista’

A artista plástica Fernanda Cruzick conheceu Iran ainda nos 1980 e, desde então, trabalhava com ele. Ao lamentar a “perda inestimável” para as artes visuais de Juiz de Fora, Fernanda aponta o vácuo que será deixado por Iran. “Tudo que eu fiz, quem montou foi o Iran. Tudo. São raríssimas exceções. Nem sei como vou continuar. Sempre que precisava, ele estava lá. Era muito parceiro. A obra, o trabalho e a dedicação de Iran estão em todos os trabalhos, todas as casas.” Para Fernanda, não existiria o trabalho dos artistas plásticos sem o acabamento do moldureiro. “Ele sempre finalizava o trabalho do artista de alguma forma. E o artista se depara com desafios o tempo inteiro. Dentro disso, o Iran topava esses desafios. Ele já fez trabalhos para mim nada convencionais. Podemos dizer, sim, que Iran era um artista, porque, dentro do que propúnhamos, ele sempre buscava soluções.”

Conforme Fernanda, Iran conhecia a história da pintura de Juiz de Fora, valorizava e conhecia de perto as pessoas. “Sabia como cada um era. Detinha particularidades de várias gerações de artistas plásticos e fotógrafos.” Além de obras de Carlos Bracher e Fernanda Cruzick, aquelas de artistas plásticos como Arlindo Daibert, Renato Stehling, Sylvio Aragão, Heitor de Alencar, Jayme Aguiar, Ângelo Bigi, Ramon Brandão e Dnar Rocha, de quem se fez amigo, passaram pelas mãos de Iran. Em depoimento à Tribuna à época dos 80 anos de Dnar, Iran lembrou-se dos tempos em que o pintor ia diariamente à Iran Molduras. “Fomos ficando tão amigos, que ele passou até a me chamar de filho. O Dnar sempre me surpreendia com sua simplicidade, seus ‘causos da roça’, mas, principalmente, seu coração aberto.”

Testemunha da história

José Alberto Pinho Neves, ex-superintendente da Funalfa e ex-pró-reitor de Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), endossa a relevância de Iran ao acompanhar, nas últimas décadas, a evolução das artes plásticas de Juiz de Fora, inclusive como partícipe. “A conquista de alguns artistas de Juiz de Fora tem a contribuição do Iran na discussão final da roupagem de suas obras quando sua presença era determinante. Ficamos mais pobres. Nesse terrível momento, devo registrar a minha gratidão a esse homem íntegro, generoso, sensível e zeloso. Ao acompanhar a história das artes, sem distinção de gêneros ou grandeza dos artistas, Iran registrou sua história, que jamais cairá no esquecimento.”

Ao menos desde os anos 1990, Iran era um galerista de primeira linha, além de um moldureiro no patamar dos grandes do país, afirma a pró-reitora de Cultura da UFJF, Valéria Faria. Ele, conta Valéria, era capaz não só de cultivar importantes nomes das artes plásticas, mas, também, identificar grandes promessas. “O seu papel como moldureiro e galerista, incentivando e acompanhando trajetórias como a de Dnar Rocha, sempre foi inegável e entra para a nossa história como a de um incentivador das artes e da cultura. Juiz de Fora perde um profissional e um ser humano ímpares.” Como Fernanda, Valéria reforça que a morte de Iran deixa uma “lastimável lacuna, insubstituível para aqueles que, como eu, tiveram a fortuna de tê-lo conhecido, seja pela pessoa especial que era, seja por suas habilidades técnicas.”

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Tópicos: coronavírus

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