Secretários de Saúde dizem que Governo tenta invisibilizar mortos pela Covid-19

Secretário do Ministério da Saúde disse que dados atuais seriam “fantasiosos ou manipulados” e que os gestores públicos de Estados e municípios


Por Lorenna Rodrigues e Mateus Vargas (Agência Estado)

06/06/2020 às 15h55- Atualizada 06/06/2020 às 15h58

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alberto Beltrame, repudiou com “veemência e indignação” o que chamou de “levianas afirmações” do secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Wizard. Beltrame afirma que há uma tentativa “autoritária, insensível, desumana e anti-ética” de dar invisibilidade aos mortos pelo coronavírus. “Não prosperará. Nós e a sociedade brasileira não os esqueceremos e tampouco a tragédia que se abate sobre a nação”, completou.

Em entrevista ao jornal O Globo, Wizard disse que o Ministério da Saúde vai recontar o número de mortos no Brasil vítimas do coronavírus porque os dados atuais seriam “fantasiosos ou manipulados” e que os gestores públicos de Estados e municípios estão “inflando os números” para conseguir mais recursos públicos.

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Beltrame rebateu as acusações de Wizard e disse que os secretários não são “mercadores da morte”. “Ao afirmar que secretários de Saúde falseiam dados sobre óbitos decorrentes da Covid-19 em busca de mais ‘orçamento’, o secretário além de revelar sua profunda ignorância sobre o tema, insulta a memória de todas aquelas vítimas indefesas desta terrível pandemia e suas famílias”, afirmou.

“Wizard menospreza a inteligência de todos os brasileiros, que num momento de tanto sofrimento e dor, veem seus entes queridos mortos tratados como “mercadoria”. Sua declaração grosseira, falaciosa, desprovida de qualquer senso ético, de humanidade e de respeito, merece nosso profundo desprezo, repúdio e asco”, afirmou Beltrame, em nota.

Abin fez alerta sobre caos em cemitérios

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertou o Palácio do Planalto e ministros sobre situações de caos em cemitérios do País e a falta de espaços para sepultamentos, causados pelo aumento de óbitos pela Covid-19. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro tem acusado gestores de fazer “terrorismo” ao buscar novos espaços para enterros e xingou o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), por ter aberto covas coletivas.

Em informes sobre a pandemia que somam cerca de 950 páginas, com datas de 27 de abril a 13 de maio, obtidos pelo Estadão com exclusividade, a Abin mostra o desespero de famílias que não encontram parentes mortos em enterros precários em Manaus.

“Famílias relatam desaparecimento temporário dos corpos de familiares que morreram na rede pública de saúde. No cemitério público Nossa Senhora Aparecida, a prefeitura informou que os corpos serão enterrados em valas comuns, empilhados três a três”, apontou a agência em documento de 29 de abril. No mesmo informe, a Abin afirma que cresce em Manaus a opção de cremar corpos “por não haver mais espaço suficiente nos cemitérios públicos” para vítimas da doença.

Ainda segundo a agência, caixões na capital do Amazonas foram abertos por pessoas que buscavam parentes. “A ação ocorre após trocas e desaparecimento de cadáveres.”

Apesar de alertas de autoridades de saúde e da Abin, Bolsonaro reclama da mobilização de gestores de Estados e municípios para dar conta de enterrar mortos pela Covid. No início de abril, chamou de “terrorismo” a abertura de covas no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo. Em reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro xingou o prefeito de Manaus por abrir covas coletivas. “Aproveitaram o vírus, está um bosta de um prefeito lá de Manaus, agora, abrindo covas coletivas. Um bosta.” O presidente disse que Virgílio estava “aproveitando” a pandemia para levar um “clima desse, para levar o terror ao Brasil”.

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Dias após a reunião com ministros, em 4 de maio, a Abin informou sobre chegada de reforço de 300 urnas funerárias a Manaus, cidade já com a capacidade de enterros esgotada.

Os informes da Abin abastecem o Centro de Coordenação de Operação do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 (CCOP). Coordenado pela Casa Civil, o órgão foi criado em março, quando Bolsonaro atuava para retirar o protagonismo do Ministério da Saúde na crise.

Tópicos: coronavírus

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