Sobre a paixão!
Longe de mim, por reconhecer que eu tenho pouco alicerce filosófico e latitude intelectual, aventurar-me a escrever tratados ou defender teses, apoiado ou não, em estudioso/as dessa matéria: a paixão humana. O que me motiva para realizar esse encontro com vocês, caros leitores e leitoras, é entregar-lhes minha trajetória pública de atuação social no campo do envelhecimento humano. Sondar um pouco sobre essa motivação. Na pergunta iluminada do grande poeta Fernando Pessoa, em 1932, enxergo um feixe de luz: “Por que é que, para ser feliz, é preciso não sabê-lo?”. Eu percebo que trago mais transpiração do que inspiração para o chão da minha estrada. E devo dizer a vocês que me leem, que tenho na bagagem da alma, vários nomes, frustrações, rostos e sentimentos ao longo da caminhada, com várias estações, ciclos e gestões em direção a mim mesmo. Aprendi com base em minha própria experiência de vida, que a fonte da felicidade reside dentro de nós, e que, para tanto, é necessário perseverança e começar tudo de novo, quantas vezes a vida nos permitir a retomada de novos passos. O trabalho cotidiano de servidor público municipal junto a um grupo de pessoas idosas da cidade me deu régua e compasso na formação da minha geometria de vida. Nem mais, nem menos. Eu quis crescer. Eu desejei e desejo ser uma pessoa melhor. Como diz a música, melhor na dor, melhor no amor.
Mas a paixão pelo trabalho, faz toda a diferença. A paixão pela vida. Pela equipe de trabalho. Na esfera profissional, trabalhar com o envelhecimento das pessoas a ponto de prestar atenção ao meu próprio modo de envelhecer não foi uma situação pensada e planejada. A partir de um convite da amiga Zeneida, entrei para a casa da paixão. Com medo e com insegurança, fui ao encontro das pessoas idosas. Fui para a frente porque segui as batidas do meu coração. E com o tempo vencendo a folhinha do calendário, eu encontrei o meu lugar. Eu ouvi o quê e quem me chamavam.
Hoje, sem dúvida alguma, encontro-me mais perto da luz que eu vi há mais de 30 anos. Na velhice dos outros e posso afirmar e projetar que para a minha também que já começou, todos os dias são singulares e não se repetem, porque o estado sentimental é sempre modificado pela energia das buscas e das necessidades emocionais e afetivas entre as pessoas. “Toda gente vive apressada, e sai-se no momento em que devia se chegar.”(Proust, 1923). A velhice, talvez, seja o tempo de a gente para andar para dentro. Assim como aquela velha que está na janela, quando a gente, sem querer, ao levantar a cabeça, a vê olhando pra rua. Na verdade, eu imagino que ela não está olhando para fora dela. Pelo contrário.
Da sua janela, ela entra para dentro de si, de sua alma, de sua imaginação e do seu tempo. Às vezes, vejo algumas pessoas idosas, mais senhoras do que homens, que se postam na janela e tem como companhia um cachorro ou um gato ao seu lado. Moram nos apartamentos da cidade e vivem solitárias, afinal, nem sempre estão rodeadas de pessoas amáveis e queridas, mesmo em tempo de não-coronavírus. Com a pandemia, ser uma pessoa idosa não está nada fácil. Fazer aniversário em pleno dia de sábado e não poder comemorar, presencialmente, com os filhos e com netos é de doer. O isolamento social forçado pelo vírus vai passar. E eu espero que a gente não se esqueça de como é vital dar e receber um abraço, um beijo, um aperto de mão e tantas outras manifestações de afeto, de carinho e de amor entre todos nós.
A paixão pelo trabalho, seguida de muito suor, estudo, disciplina e determinação, me deu grandeza humana. E eu não me canso de dizer que o meu/nosso trabalho é muito maior do que tudo o que possa construir. E me humaniza na medida em que não fiz nada sozinho, e que, se, eu não tivesse a presença e participação de muitas pessoas, eu não teria chegado até aqui. “Querei só o que podeis, e sereis onipotentes!” Padre Antonio Vieira, 1641.