Policiais civis de JF permanecem presos seis meses após tiroteio
Processo corre em segredo de justiça na 4ª Vara Criminal; audiência de instrução está marcada para julho
Seis meses após o tiroteio fatal envolvendo policiais civis mineiros e paulistas no estacionamento do Centro Médico Monte Sinai, na Zona Sul, um escrivão e dois investigadores de Juiz de Fora continuam presos na Casa de Custódia da Polícia Civil, em Belo Horizonte. O processo que envolve as mortes do policial juiz-forano Rodrigo Francisco, 39 anos, o Chicão, assassinado com cerca de 20 tiros, e do proprietário de empresa de segurança particular paulista Jerônimo da Silva Leal Júnior, 42, baleado várias vezes no abdômen, continua tramitando em segredo de justiça na 4ª Vara Criminal. Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a audiência de instrução do caso, que também ganhou repercussão nacional por causa das malas apreendidas com cerca de R$ 14 milhões – a maioria em notas falsas -, está marcada para as 14h do dia 11 de julho. Na ocasião, deverão ser ouvidas as partes e possíveis testemunhas do episódio. O juiz titular é Cristiano Álvares Valladares do Lago.
O escrivão Rafael Ramos dos Santos, 30, e os investigadores Leonardo Soares Siqueira, 43, e Marcelo Matolla de Resende, 46, lotados na 1ª Delegacia Regional de Juiz de Fora, seguem acautelados na Casa de Custódia, segundo confirmou a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) nesta quinta-feira (25). Eles foram detidos no dia 12 de novembro por meio de mandados de prisões temporárias, convertidas em preventivas um mês depois. Sobre o processo administrativo disciplinar para investigar a conduta dos servidores, a assessoria da Polícia Civil de Minas disse que o procedimento instaurado pela Corregedoria-Geral “está em andamento, amparado na observância do contraditório e ampla defesa”. Ainda em nota, a instituição destacou que “reafirma seu compromisso institucional de apurar os fatos com celeridade, moralidade e publicidade”.
Outro procedimento relacionado ao episódio que corre paralelo ao processo criminal foi aberto pela Corregedoria da Polícia Civil em São Paulo. A assessoria do órgão informou, na última terça-feira, que os delegados paulistas Bruno Martins Magalhães Alves, 30, e Rodrigo Castro Salgado da Costa, 32, e os investigadores Jorge Alexandre Barbosa de Miranda, 51, e Caio Augusto Freitas Ferreira de Lira, 36, chegaram a ser afastados de suas funções, mas recorreram à Justiça e retornaram ao trabalho. Na época do crime, eles foram detidos em flagrante e tiveram suas prisões preventivas decretadas, no entanto, conseguiram alvará de soltura e não foram denunciados pelo Ministério Público em relação aos homicídios. Os quatro deixaram o Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, na região Metropolitana de BH, em 16 de dezembro, quase dois meses depois de serem detidos.
Ainda conforme a assessoria da instituição paulista, o carcereiro Leandro Korey Kaetsu, 38, os agentes Cristhian Fernandes Ferreira, 44, e Cezar Raileanu, 48, e os investigadores Marcelo Palotti de Almeida, 42, e Eduardo Alberto Modolo Filho, 32, também estão respondendo a processo administrativo instaurado pela Corregedoria da Polícia Civil, assim como os quatro citados anteriormente. Os últimos cinco, no entanto, não chegaram a ser presos e seguem trabalhando em suas atividades regulares. Naquele 19 de outubro, eles foram liberados do flagrante porque não estariam realizando a escolta de empresários paulistas no exato momento da negociação no estacionamento, que resultou em tiros e mortes após a descoberta do golpe milionário com notas falsas.
Dos sete denunciados por latrocínio, três não estão presos
Dos sete envolvidos no caso do tiroteio denunciados por latrocínio (roubo seguido de morte) em dezembro, três não estão em nenhuma das unidades prisionais mineiras, segundo informações da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap): o advogado Jorge William Ponciano Rosa, 43, identificado no local dos fatos em companhia dos policiais mineiros; Nivaldo Fialho Cunha, 52, motorista do carro onde estavam as malas apreendidas com R$ 14 milhões (grande parte em notas falsas), e Sérgio Paulo Marques Guerra, 41, apontado como comparsa de Vilela. Eles tiveram as prisões preventivas decretadas pela Justiça no dia 11 de dezembro, após os mandados de prisão temporária, expedidos um mês antes, não terem sido cumpridos.
Além dos três policiais civis de Minas que estão acautelados na Casa de Custódia, permanece preso Antônio Vilela, 66, suposto estelionatário ferido com um tiro no pé e detido em flagrante no dia do crime. De acordo com a Seap, ele está no Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves.
Os sete envolvidos citados foram denunciados em dezembro pelo Ministério Público também por organização criminosa, além de tentativas de estelionato e de lavagem de dinheiro. O escrivão e os dois investigadores de Juiz de Fora ainda respondem por fraude processual. Conforme o MP, ele retiraram da cena do crime o celular do policial juiz-forano assassinado Rodrigo Francisco, 39, “a fim de induzir a erro este juízo, ante a relevante quantidade de informações, que comprometeriam ainda mais os denunciados”. Os telefones usados por eles naquele dia também foram inutilizados e descartados.
Se condenados, os sete acusados podem pegar de 20 a 30 anos de prisão apenas pelo crime de latrocínio. Já a pena para organização criminosa é de três a oito anos, mas, no caso em questão, a penalidade pode ser aumentada até a metade por ter ocorrido emprego de arma de fogo. O estelionato, por sua vez, prevê reclusão de um a cinco anos, entretanto o período deverá ser diminuído de um a dois terços por não ter sido consumado. Da mesma forma, a reclusão de três a dez anos para lavagem de dinheiro deverá ser reduzida. Já a fraude processual, pode chegar a quatro anos.
Tiros após descoberta de milhões em notas falsas
A sequência de disparos no estacionamento do Centro Médico Monte Sinai na tarde do dia 19 de outubro teria começado após a escolta armada de empresários paulistas, coordenada pelo falecido Jerônimo da Silva Leal Júnior, descobrir que estaria sendo enganada com milhões em notas falsas por Antônio Vilela, supostamente escoltado pelos policiais mineiros, durante a negociação que envolveria as seis malas apreendidas. Conforme a denúncia do Ministério Público, o grupo de Juiz de Fora teria tentado induzir ao erro os empresários paulistas, “mediante artifício ardil”, com 147.633 notas falsas, “devidamente embaladas em pacotes plásticos e misturadas com notas originais, simulando o montante de R$ 14.673.300”.
Para o MP, os três policiais civis mineiros denunciados, o policial morto Rodrigo Francisco, Antônio Vilela, Jorge Ponciano, Sérgio Guerra e Nivaldo Cunha “se associaram, com o emprego de armas de fogo de maneira estruturalmente ordenada e mediante divisão de tarefas, informalmente, com o objetivo de obterem diretamente vantagem indevida de natureza pecuniária, mediante a prática de crimes contra o patrimônio com a utilização de grave ameaça e violência, estelionato e lavagem de capitais”. Conforme a Promotoria, consta no inquérito conduzido pela Corregedoria da Polícia Civil de Minas, que eles “tentaram subtrair, para todos, os bens e as quantias de valor que se encontravam custodiadas e protegidas pela vítima Jerônimo, que realizava serviço de escolta particular dos empresários, os quais se encontravam no hotel (próximo ao local).”
Troca de dólares
O golpe também incluiria “tentar converter em ativos lícitos R$ 56 mil em espécie provenientes de infrações penais anteriores de estelionato praticadas por Antônio e Sérgio”. Esses dois teriam atraído os empresários, que estavam à procura de crédito para suas empresas, “prometendo a realização de negócio econômico extremamente vantajoso para estes”. Apesar de os empresários paulistas terem negado esta versão, a investigação apontou que a intenção seria mesmo a troca de dólares por reais. Antes do encontro que terminou de forma trágica, eles já teriam se reunido em uma churrascaria de Juiz de Fora, “quando acertaram as bases do negócio milionário – troca de valores em taxas favoráveis”.
Ao desconfiar das notas, Jerônimo teria levado Antônio para a lateral do estacionamento, onde era mais claro, “quando chegaram correndo Rodrigo Francisco e o denunciado Rafael, de arma em punho e gritando ‘perdeu, perdeu’ (gíria tipicamente utilizada por assaltantes), sem fazer qualquer alusão à condição de policial civil, recebendo Rodrigo Francisco diversos disparos de arma de fogo de Jerônimo, que revidou a injusta agressão”. Já os tiros que acertaram o segurança teriam partido de Rodrigo.
Antes disso, os policiais mineiros haviam abordado quatro policiais de SP na entrada do estacionamento. Os paulistas foram desarmados e tiveram seus pertences recolhidos, inclusive R$ 1.500. O MP destacou que o escrivão e os dois investigadores mineiros eram lotados em unidades policiais distintas e não chegaram a comunicar qualquer atividade suspeita aos seus superiores hierárquicos, “já que estavam a cargo das tarefas exercidas na organização criminosa”.
O empresário de SP Flávio de Souza Guimarães admitiu ter contratado o serviço de escolta da empresa de segurança de Jerônimo durante a viagem a Juiz de Fora, mas negou ter trazido cerca de 1 milhão de dólares para vender, alegando estar “negociando empréstimos para sua empresa”. A defesa dele, do advogado Mário Garcia Júnior e do empresário Roberto Uivary Júnior acrescentou que seria realizado um empréstimo “de maneira formal e dentro da lei”, mas que seus clientes foram vítimas de golpe. Os três, junto com os nove policiais paulistas, foram indiciados por tentativa de lavagem de dinheiro.
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