O solidário não quer solidão!!!
De todos os grupos que fazem parte da sociedade, o das pessoas idosas me parece ser o que mais recebe preconceito, rejeição e desrespeito. E essa realidade remonta aos tempos idos de nossa humanidade. Ser velho, enquanto condição subjetiva, e a aceitação social da velhice nunca foram uma questão fácil, sem conflitos ou tensionamentos nas organizações sociais. Desde que o mundo é mundo, a velhice não é vista por bons olhos pelas agremiações culturais. Não é um tema consensual. Sempre causou e causa repugnância em algumas instituições sociais. Falar da velhice é falar de um tema obsceno. Fora da cena social, pública e política. Referência clássica no assunto, a pesquisadora francesa Simone de Beauvoir, em seu volumoso e muito bem feito tratado sobre a velhice, chega à conclusão de que há uma verdadeira conspiração do silêncio sobre o tema. Ninguém fala nada. Ou seja, a gente finge que ela não existe. E velho, será sempre o outro. Não há em nós, na realidade, uma tomada de consciência de que nós envelhecemos ou nós envelheceremos. É preciso romper com essa fantasia. Nosso sistema educacional desde a atenção primária ao nível superior não toca nesse assunto. E a sociedade só envelhecendo na demonstração do IBGE, clara e repetitiva, de que o país envelhece a passos rápidos e vai impactar toda a sociedade. O tempo passa, e a inércia domina as ações públicas e políticas dos gestores federais, estaduais e municipais diante da fila das pessoas idosas que exigem políticas públicas. Em boa hora vem a Igreja Católica com sua Campanha da Fraternidade/2019 que traz o tema “Políticas Públicas”. E é sabido que as pessoas idosas têm na religiosidade um fundamento muito importante para dar sentido às suas vidas. E que também podem se organizar na busca por melhores condições de vida para o seu universo cotidiano.
Por que não falamos da velhice, se esse é o tema da contemporaneidade? Ou na linguagem poética musical do ex-titãs, o genial Arnaldo Antunes, que canta “não há nada mais moderno do que envelhecer”. A velhice é real, e ela nos pertence. Mais do que uma realidade pessoal, é uma questão social pública, como a infância, a adolescência e a juventude. Diante do exposto acima, eu posso inferir que, mesmo diante dessa nova realidade do aumento vertiginoso de pessoas idosas, a sociedade, o país e a cidade não respondem publicamente às necessidades sociais e de saúde desse público. Negligência. Indiferença. Abandono. Silêncio. Violência. Até quando? Não dá mais para fechar os olhos para perceber que algumas pessoas idosas, e são muitas, não querem mais a bengala e o crochê como símbolos estigmatizantes que as representem. Essa imagem caducou-se. Caiu de maduro.
Acredito e tenho visto que alguns idosos estão se mobilizando politicamente, na direção de construírem uma outra forma para o envelhecimento deles. Mais participativa, com mais gente por perto, e uma presença ativa na sociedade. São os novos velhos de que fala a literatura especializada.
Espero ativamente que o novo comportamento inaugurado por algumas pessoas idosas revolucione e até mesmo faça com que tenhamos uma outra visão sobre essa fase da nossa vida, que é o envelhecimento. Espero e desejo que ser velho não me diminua enquanto ser humano. Na perplexidade da pergunta feita pelo poeta maior, Carlos Drummond de Andrade: “Quanto vale o homem, vale menos, velho?” Ciente de que nossos preconceitos e tabus sobre a velhice não desaparecerão da noite para o dia, penso e repenso que se faz necessário re/ver as nossas ideias sobre a velhice. Ideias, diga-se de passagem, construídas ideologicamente, de uma maneira hostil, mentirosa e cheias de tabus, sobre essa fase da vida que também pode ser boa, serena e equilibrada, por que não? É preciso considerar que temos muitos mitos, é verdade, em relação ao modo de ser da velhice ou de alguns idosos.
Um deles que é muito comum e aparece muito em debates e palestras públicas é de que a solidão é própria das pessoas idosas. Não é verdade. Essa construção social não faz sentido. A solidão é sentida por todos, independentemente da idade. Crianças mais recentemente, como indicam as pesquisas, ressentem da falta de companhia em suas brincadeiras. Elas brincam de quê? Sobre a velhice, recaem muitos vestígios sombrios e lixos emocionais que ninguém deseja. Como o familiar comentário: “Ele tá assim, não liga, não; porque isso é coisa de velho.” O que é coisa de velho? Se ele ou ela não querem sair com você, não significa que sejam companhias desagradáveis ou rotuladas de pessoas antissociais. Mais do que as conveniências sociais, é preciso salvaguardar os desejos e os interesses das pessoas idosas. Estar só, por algum período do tempo ou desejar a solidão não tem nada a ver com ser arredio socialmente. Pelo contrário. Observo que, na maioria das vezes, vale o refrão da música cantada pelo (ex?) grupo mineiro 14 B is: “O solidário não quer solidão”. Ele e ela querem a vida. Viver.
Assistente social e gerontólogo
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