Adê, o ídolo que tem histórias que não cabem em 44 anos
Ademilson é o mais velho jogador entre os atletas que disputarão o Campeonato Mineiro este ano. O atual centroavante do Tupynambás, ex-Tupi e ídolo da torcida juiz-forana relembra o início da carreira no Espírito Santo
Unanimidade entre alvinegros e alvirrubros em Juiz de Fora, somente Ademilson. Para fanáticos de Santa Terezinha e Poço Rico, é dos mais ilustres filhos de Itaguaí (RJ) da história, embora muitos desconheçam sua origem. Ademilson é Adê. Aos 44 anos, carrega, nos treinos do Tupynambás, as mesmas expressões de quando chegara, há mais de uma década, em Juiz de Fora; de baixo de sol esturricante, boca entreaberta e dentes da frente levemente separados. Meiões na altura das canelas. Se Ademilson envelhece, há poucas rugas para mostrar. “Em razão da minha idade, muitas pessoas me perguntam porque ainda não parei. Consigo treinar intensamente junto com os garotos. A partir do momento que eu começar a ficar atrás, é hora de eu parar. Mas, enquanto estiver no bolo, de igual para igual, vou indo”, diz o centroavante, apesar de ter jogado na ponta a maior parte da carreira.
Foram confirmados pela Federação Mineira de Futebol (FMF) os boatos de ser Ademilson o mais velho jogador em atividade no Módulo I do Campeonato Mineiro deste ano, entre os cerca de 300 atletas. Nos treinos, entretanto, sua a camisa mais do que os mais novos. Conta Ademilson que amigos de menos idade já se aposentaram. “A longevidade da carreira aconteceu naturalmente. Nem esperava, nem planejava. Amigos meus que jogaram comigo já pararam. Alguns têm 37, 39, outros 40 anos… o tempo foi passando, mas consegui trabalhar o meu físico. Não importa se estou com 44 ou se estarei com 50.” Nunca bebeu, nunca fumou. “Nunca fui um jogador de noite. Acho que isso também me ajudou bastante. Desde mais novo, nunca fui de perder noite. Estes cuidados me ajudaram para eu chegar na idade em que estou hoje.”
“Muitas pessoas me perguntam porque ainda não parei. Consigo treinar intensamente junto com os garotos. A partir do momento que eu começar a ficar atrás, é hora de eu parar. Mas, enquanto estiver no bolo, de igual para igual, vou indo”
Idade encarada com naturalidade
Mas há aqueles que de Ademilson se furtaram. Em meio à busca por performances acima da média, cartolas, torcedores e treinadores já torcem o nariz para jogadores com mais de 30 anos; com mais de 40, então, são largados ao ocaso. “Há preconceito [em relação à idade] de quem não me conhece”, pontua Ademilson. “Lembro-me que, após o fim do Módulo II, o Silvão, um amigo, disse que precisavam de um atacante em um clube da segunda divisão do Paraná. Silvão então informou ao presidente do clube que conhecia um, mas que tinha 44 anos. O presidente, então, respondeu: ‘Aí não. Você me arrebenta’.” Ademilson, contudo, diz ver o preconceito como normal, emendando: “Em Minas, como tenho o respeito de todo mundo, principalmente em Juiz de Fora e região, a idade é encarada com naturalidade. Tanto é que fui contratado pelo Athletic, de São João del-Rei, na temporada passada. Me contrataram porque sabiam do meu potencial.” Azar do clube paranaense.
Aos 14, trabalho na roça
Em Mimoso do Sul (ES), Ademilson começou, aos 14 anos, ao lado do pai, a capinar, roçar e apanhar café. “Fiz de tudo. Foi a minha academia”, brinca. “Por isso acho que até hoje estou jogando. Na roça, tinha que botar saco de café de 80kg nas costas. Isso me ajudou bastante a ter um bom preparo físico.” Como parte dos moleques, aos 12 anos, ainda em Itaguaí (RJ), terra natal, apostava horas do dia em jogar bola em meio aos amigos, embora ser jogador de futebol não tenha sido sonho. “Sempre fui o garoto que jogava entre os caras mais velhos. Entretanto, nunca passou pela minha cabeça ser um jogador de futebol. Naquela época, havia muitos craques; ouvia falar de Geovani, Romário, Zico etc. Pensava que não tinha capacidade de jogar.” Apesar de Geovani, Romário e Zico, tinha seu Sebastião Sobreira, responsável por levar Ademilson, então com 17 anos, para um teste em Alegre (ES), no Comercial Atlético Clube. “Comecei a me destacar nos campeonatos municipais e rurais”, lembra.
“No primeiro amistoso, fiz quatro ou cinco gols – não me lembro ao certo – e, então, o presidente do clube fez questão de assinar contrato”, conta. Iniciada a carreira no Comercial de Alegre, o menino, rápido, acostumado às beiradas do campo, chamou a atenção do então técnico Marco Nunes. Partiram juntos, em 1995, para a capital Vitória a defender o Rio Branco na Série C do Brasileiro. Depois de cinco temporadas, retornou a Mimoso do Sul em busca de defender as cores do Mimosense Futebol Clube.
“Fomos campeões da Segunda Divisão do Capixaba, disputamos a Primeira e, então, voltei para Alegre, mas para jogar pelo Alegrense Futebol Clube. Em 2000, conseguimos o acesso e, em 2001, fomos campeões estaduais. Nesta temporada, fui bem demais, sobretudo nos dois jogos finais, nos quais tive a oportunidade de marcar cinco gols. Fomos campeões com duas ou três rodadas de antecedência, salvo engano.”
Tão rubro-negro que desorientou Júlio César
Dodô e Romário tiveram o privilégio de jogar ao lado de Ademilson; bem dizer, a recíproca é, também, verdadeira. Em 2002, após confronto entre Alegrense e Botafogo, na Copa do Brasil, Ademilson chegou ao Rio de Janeiro para defender as fileiras de General Severiano. “[Eduardo] Uram assistiu o jogo para observar outros jogadores, mas, como me destaquei, ele se interessou por mim. Assinei contrato com o Uram e saí do Alegrense para o Botafogo”, lembra. Após o fim da temporada, mudou-se para as Laranjeiras, onde permaneceu por nove meses em 2003. No vestiário, tinha Ademilson a companhia de Romário, Carlos Alberto, Alex Oliveira, entre outros. “Para mim, foram boas passagens. Cheguei em ambos e joguei. Esperei a minha oportunidade, com grandes treinadores – como Abel Braga, no Botafogo, e Renato Gaúcho, no Fluminense -, e joguei.”
De tão rubro-negro, mas tão rubro-negro, marcou, por fim, dois gols no Flamengo em um mesmo jogo. A semifinal do Campeonato Carioca de 2003, a ocasião. Após empate em 1 a 1 no primeiro jogo, vitória do Fluminense por 4 a 0 no segundo, ambos no Maracanã, sendo dois tentos do então camisa 11. “Sou flamenguista, mas quando a bola rolou não teve jeito não.” Dizem as boas línguas que Ademilson desorientou Júlio César; placar já construído, o jovem goleiro rubro-negro, em dia desagradável, saiu a driblar todos os jogadores do Fluminense, estressado em demasia com a ineficiência dos companheiros. “Disputamos então a final do Carioca contra o Vasco. Perdemos com um gol de letra que deu uma confusão danada. Nas finais, os donos do Deportivo Irapuato, do México, observavam outros jogadores, mas, novamente, como fui bem demais também nas semifinais, quem foi para lá fui eu”, lembra.
“Nunca fui um jogador de noite. Acho que isso também me ajudou bastante. Desde mais novo, nunca fui de perder noite. Estes cuidados me ajudaram para eu chegar na idade em que estou hoje”
No México, de ponta virou volante; sem misericórdia. “Fiz um bom campeonato, mas joguei fora de posição. Virei volante. Como era um atacante que voltava para marcar, o treinador achou melhor eu jogar um pouco mais atrás como volante. Como não era a minha, estava insatisfeito.” Eram razoáveis as dificuldades com o espanhol, diz o centroavante. Entendia, mas não pronunciava. Pois Ademilson, em 2005, mudou-se para a Bélgica. Vestiria as cores do Lokeren. “Joguei na minha posição e já ficou bom novamente (risos). O ataque era de brasileiros: Taílson, Roma e eu. Fizemos um bom Campeonato Belga, terminamos na oitava colocação. Só tive dificuldades com a língua, da qual não aprendi nada. Nada! Não era francês, nem inglês; era a língua local, flamingo. Muito complicada.”
De Santa Terezinha para Poço Rico
Se está certo o escritor uruguaio Eduardo Galeano – e, certamente, está -, nasce o ídolo do futebol quando, em um belo dia, o maltratado, desprezado pé do homem é beijado pela deusa dos ventos. Ademilson, então, teve o seu pé beijado no confronto entre Tupi e Santa Cruz (RE), em 2011, válido pelo primeiro jogo da finalíssima da Série D do Brasileiro. Capitão e autor do tento da vitória no Estádio Municipal Radialista Mario Helênio.
“A minha relação com Juiz de Fora começou em 2007. Estava no Democrata de Governador Valadares disputando a Série C do Campeonato Brasileiro. O treinador Moacir Júnior e o Seu Geraldo Magela viram alguns jogos meus e gostaram.” Ademilson voltara da Bélgica no meio de 2005. Defendeu Paysandu (PA) e Marília (SP) antes de chegar a Governador Valadares. “Quando acabou a Série C, seu Geraldo e Moacir me ligaram, e desembarquei [em Juiz de Fora] para jogar a Taça Minas Gerais, em 2007.”
Ademilson iniciou sua trajetória no Tupi com o vice-campeonato da Taça Minas Gerais de 2007. O torneio seria conquistado em 2008 somente. “O Tupi foi o clube com o qual tive maior identificação na minha carreira. Tudo o que eu tinha que conquistar em um lugar, conquistei aqui; títulos que o Tupi não tinha, e meus companheiros e eu conquistamos. Criamos uma bela história.”
Entre 2007 e 2015, Ademilson, defendeu as fileiras de Santa Terezinha. Carrega histórias que não cabem em seus 44 anos. Diz Leonardo Lima, pesquisador e professor de Educação Física, que, em 144 jogos, o centroavante foi 62 vezes para as redes. Não há ninguém por essas bandas que conheça tão bem as áreas do Mário Helênio. São 53 gols no Municipal, do qual é o maior artilheiro. “Percebi a minha idolatria quando os torcedores do Tupi fizeram o busto. Pensei: ‘Agora estou me sentindo jogador de verdade. Acho que agora sou ídolo mesmo.’ Nunca fui ídolo de clube nenhum, mas fui no Tupi. Tenho uma imensa gratidão. Quando a torcida também fez a bandeira com o meu rosto…”. Na época, ele tinha 37 anos.
“É um jogo de festa para os torcedores, ainda mais depois de tantos anos sem [o clássico Tu-Tu]. Vou encarar como profissional. Não vai ter meio termo. Quero jogar para vencer.Em respeito aos torcedores, não vou comemorar. Da minha parte seria uma falta de respeito por tudo o que fizeram por mim”
Desde 2016, contudo, Ademilson traja vestes alvirrubras. Como Juiz de Fora o acolheu, de Santa Terezinha foi para o Poço Rico. “Para te falar a verdade, me colocaram para fora do Tupi. Fiquei um bom tempo sem receber salários. Acionei a Justiça em 2014. Tenho salários a receber de 2012, 2013, 2014 e 2015. A minha intenção era encerrar a carreira no Tupi. Confiei em pessoas em quem não era para eu confiar. Infelizmente, estamos sujeitos a isso.” Pelo Tupynambás, conquistou a Segunda Divisão do Campeonato Mineiro e o acesso para o Módulo II. Em 2018, após o vice-campeonato do Módulo II, chegou o esperado acesso ao Módulo I. Ademilson está à vontade; não havia como ser diferente.
Em 23 de janeiro, reencontrará, no Mário Helênio, as cores alvinegras. “É um jogo de festa para os torcedores, ainda mais depois de tantos anos sem [o clássico Tu-Tu]. Vou encarar como profissional. Não vai ter meio termo. Quero jogar para vencer.” Ademilson, no entanto, promete não comemorar caso marque. “Em respeito aos torcedores, não vou comemorar. Da minha parte seria uma falta de respeito por tudo o que fizeram por mim.” Não haverá dor maior na Cidade Alta do que a do torcedor carijó se Adê for às redes.
Tópicos: campeonato mineiro / tupynambás