‘Bohemian Rhapsody’ mostra a trajetória do Queen

Filme em cartaz no cinema dá pouco espaço para a homossexualidade e os dolorosos últimos anos de Freddie Mercury


Por Júlio Black

31/10/2018 às 20h19

Rami Malek incorpora toda a potência de Freddie Mercury no palco (Foto: Divulgação)

Levar para o cinema a vida de figuras que marcaram a história é tarefa complicada, pois muitas vezes sua trajetória teria que render mais que um longa, a fim de que fatos importantes não sejam esquecidos ou diluídos. Às vezes, arrisca-se com sucesso contemplar várias décadas da vida do biografado, caso de “Johnny e June”, sobre a vida do cantor Johnny Cash; os passos iniciais que levam um Zé Ninguém a se tornar um ídolo pop, como a juventude de Morrissey (ex-Smiths), em “England is mine”, que termina exatamente antes da formação da banda; a história daquele que ficou para trás, como o ex-beatle Stuart Sutcliffe em “Os cinco rapazes de Liverpool”; a meteórica e trágica carreira de um gênio do pós-punk (Ian Curtis, do Joy Division), mostrada em “Control”; ou o início, o auge e o fim, no excelente “Straight outta Compton – A história do N.W.A.”

“Bohemian Rhapsody”, sobre a trajetória da banda inglesa Queen, estreia nesta quinta-feira (1º) no Brasil pegando partes dessa fórmula, e desde as primeiras sessões de exibição com a imprensa já vem sendo criticado pelo recorte temporal feito pelos responsáveis pela produção, que demorou quase dez anos para ser lançada e passou por toda sorte de problemas e polêmicas.

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Por isso, antes de falar do longa, os problemas e as polêmicas. Ainda sem diretor e roteirista definidos, o primeiro nome a surgir como intérprete de Freddie Mercury foi Sacha Baron Cohen, conhecido pelo personagem cômico Borat, mas que abandonou a empreitada por desavença com membros do Queen; ele queria uma história mais adulta, enquanto os integrantes da banda pensavam em algo mais leve, “familiar”. Depois, foi Ben Whishaw que entrou na história, junto com o diretor Dexter Fletcher, porém desistiram por mais diferenças criativas.

Tudo parecia ter normalizado com a a confirmação de Bryan Singer (“X-Men”, “Os suspeitos”) na direção, e Rami Malek (da série “Mr. Robot”) como o vocalista do Queen. Depois, entraram para o elenco os atores escalados para os demais integrantes do Queen (Ben Hardy como o baterista Roger Taylor, Gwilym Lee como o guitarrista Brian May e Joseph Mazzello no papel do baixista John Deacon).

Os problemas continuaram, entretanto. A relação do elenco com Singer se deteriorava com a continuidade das filmagens, e só piorou quando o diretor se ausentou durante alguns dias por “problemas familiares” – vale lembrar que, já nessa época, ele era um dos nomes envolvidos em denúncias de assédio sexual em Hollywood. O cúmulo veio quando ele atirou um objeto, em pleno set, contra Rami Malek, resultando em sua demissão. Newton Thomas Sigel, o diretor de fotografia, gravou algumas cenas, e Dexter Fletcher terminou recontratado para as tomadas finais. Porém, por conta da regra do Sindicato dos Diretores (DGA), Singer ainda aparece nos créditos como diretor.

Críticas e elogios

Com tanta história a ser contada, resta saber quanto da trajetória do Queen aparece na tela e o quanto dela é centrada na figura magnética de Freddie Mercury. “Bohemian Rhapsody” – título de um dos maiores sucessos do quarteto – se preocupa em mostrar a banda desde o seu surgimento, nos primórdios dos anos 70, passando pelo período de maior sucesso, vindo de álbuns como “A night at the Opera” e “News of the world”, e encerrando com a antológica apresentação no evento “Live Aid”, em 1985.

Por conta dessa escolha, “Bohemian Rhapsody” vem dividindo a crítica, apesar de todos os elogios à interpretação de Rami Malek. Primeiro por dar muito mais espaço a Freddie Mercury e deixar seus amigos como mero coadjuvantes; segundo, por praticamente camuflar a homossexualidade de Mercury e se concentrar no relacionamento do cantor com Mary Mary Austin (Lucy Bointon). Seu último namorado, Jim Hutton (Aaron McCusker), é quase uma nota de rodapé na história.

Por fim, os próprios conflitos internos da banda se resumem muito mais a mostrar o Queen se preparando para novos álbuns e turnês, deixando de lado o período mais difícil da vida de Freddie Mercury: o posterior ao Live Aid, que inclui a contaminação com o vírus HIV, a progressiva deterioração de sua saúde, as penosas gravações finais, a declaração de que era HIV positivo um dia antes de sua morte, em 24 de novembro de 1991.

Não é a questão de se querer explorar de forma sensacionalista todo o calvário do artista, mas fica a impressão de que os ex-integrantes do Queen e os responsáveis pelo longa pensaram muito mais num filme chapa-branca que numa corajosa reprodução da trajetória de um dos mais apaixonantes personagens da música do último século. Ainda que esmaecida, deve ser pelo menos uma boa oportunidade de cantar e vibrar, no escurinho do cinema, com uma dos maiores showmen do rock.

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Bohemian Rhapsody
UCI 3 (leg): 13h30, 16h15, 19h, 21h45. Cinemais Jardim Norte 1 (leg): 15h45, 21h20. Cinemais Jardim Norte 1 (dub): 18h30.
Classificação: 14anos

Tópicos: cinema

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