Quando juros simples são complexos
A decisão do STF de 27 de abril de 2016 adiou em dois meses a definição da discussão sobre o cálculo dos juros das dívidas dos estados com a União. O agravamento da situação financeira de estados como Rio de Janeiro e Santa Catarina – que entrou com a ação – vai dando tons dramáticos ao problema. O que os estados pedem é a troca do modo de cálculo dos juros sobre os valores devidos, de juros compostos para juros simples, o que deixaria a dívida dos estados menor e reduziria a receita financeira do credor, o Governo federal. A medida traz à tona o tema da responsabilidade fiscal e da evolução dos gastos dos estados da federação.
A título de matemática financeira básica, o que os estados pedem é a não incidência de juros sobre os juros devidos mas ainda não pagos (a regra básica do mundo financeiro) e sim sobre apenas o ‘principal’, ou seja o montante tomado e ainda não pago. A incidência de juros sobre juros (juros compostos) faz a dívida subir exponencialmente; já a mudança para juros simples fará a dívida subir linearmente, ou seja, mais devagar. Um exemplo básico ilustra os efeitos da mudança: um empréstimo de R$ 1000 a juros de 10% a.m. pelo período de um ano, com pagamento total apenas no final, resultaria num valor total a ser pago de R$ 3.138,43 a juros compostos ou a R$ 2.200 a juros simples.
A dívida dos estados está contabilizada dentro da dívida consolidada do Governo federal, que, por sua vez, emite títulos para tomar recursos emprestados do mercado (investidores em títulos públicos) e financiar o país. Os títulos da União remuneram os investidores a juros compostos. Portanto, se os estados trocarem o modo de reajuste para juros simples, haverá um descompasso grande nessa conta e a diferença bilionária será paga pelo já abatido orçamento do Governo federal.
A discussão, que poderia se encerrar com apenas um sinal de desigualdade em uma conta matemática que ‘não fecha’, ganha corpo com a falta de controle do Governo sobre a legião governadores – e também de bom senso. Nessa toada, 11 estados já recorreram ao STF e ganharam o direito de pagar juros simples, incluindo Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Alagoas, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Goiás, Pará, Sergipe e Mato Grosso. O histórico também não ajuda o Governo federal, pois já houve dois abatimentos da dívida na história recente: em 1998, durante o Governo FHC, em que foi fixado o reajuste por IGP-DI + 6% (independente da remuneração paga aos investidores no mercado), e, em 2014/15, no próprio Governo Dilma, em que a indexação foi trocada para IPCA + 4% com a taxa Selic acumulada como teto (também independente da remuneração ao mercado).
Por fim, é necessário ressaltar que a discussão trata da distribuição de ganhos e prejuízos. De acordo com a Consultoria Legislativa do Senado Federal, haveria uma perda de receita para os cofres federais de mais de R$ 310 bilhões referente à dívida dos estados, caso seja acolhida em definitivo a alteração do cálculo da dívida. Essa conta, obviamente, vai ser paga por todos os contribuintes – e contribuintes estaduais são também federais. Ou seja, engana-se quem pensa que o contribuinte estadual ganha com o perdão de parte da dívida de seu estado pois, ao mesmo tempo, ele arca com uma parcela, até maior, do perdão ao conjunto dos outros estados beneficiados, por ser contribuinte também federal. Ao fim e ao cabo, juros simples podem ser um problema realmente complexo.
Por Gabriele Ribeiro, Matheus Martinez e Wilson Rotatori. Email para: cmcjr.ufjf@gmail.com