O perigo escondido na frase pichada


Por Tribuna

15/09/2017 às 07h00- Atualizada 15/09/2017 às 13h53

Por AD Junior, Ativista, pesquisador formado em comunicação na Alemanha e Monica Tomaz, Especialista em tecnologia da informação

Todos sabemos que os bolsões de pobreza existentes em nossa cidade são pouco ou quase nada visíveis aos estudantes de fora, visitantes e juiz-foranos da classe média que acreditavam, até a mais recente onda de violência que nos assola, que Juiz de Fora era um paraíso. A verdade é que há um muro entre esses dois brasis que habitam a cidade. Ele está presente no cotidiano dos cidadãos afro-descendentes juiz-foranos. São verdades nunca ditas e que todos sabem que existem. E, falando em muro, um evento curiosamente bizarro aconteceu na cidade de Juiz de Fora. A Escola Estadual Fernando Lobo, localizada no Bairro São Mateus, amanheceu pichada com uma frase racista e eugênica, quase incógnita aos olhares de quem passava pelo local.

A frase dizia: “Descendentes de Cam cruzam com macacos. A origem da raça negra”. Ok. A frase é racista porque junta macaco com negro, mas de onde vem essa frase? É mesmo eugênica? Do que estão falando?

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Este é mais um capítulo assustador da onda de conservadorismo que toma o Brasil e segue rumos da Eugenia (“ciência” que criou a categorização do ser humano em raças) e do racismo científico. Este, que já foi lei nacional, perdido no discurso acadêmico com o passar dos anos, é um dos responsáveis pelo racismo estrutural institucionalizado no país.

Durante o período da escravidão, as religiões cristãs usavam a explicação europeia e depois a americana para justificar a manutenção de negros em cativeiro, banalizando as atrocidades cometidas, perdurando daquele período até os dias atuais. O Brasil apaga este capítulo da sua história e deixa uma lacuna que não explica como essa frase fez parte do Movimento Eugênico Brasileiro. Para além disso, contribui para a perpetuação do preconceito e do ódio. O Movimento Eugênico Brasileiro bebeu da mesma fonte que anos depois seria crucial para a criação dos campos de concentração alemães e dos sanatórios espalhados pelo Brasil. Ambos seguindo as cartilhas de Arthur de Gobineau e Francis Galton.

O ápice desse movimento se dá na expressão do quadro de Modesto Brocos, “A redenção de Cam”, pintado em 1895 e que hoje compõe o acervo do Museu Nacional de Belas Artes. O quadro retrata uma avó negra dando graças a Deus por seu neto, nascido de sua filha mulata com um imigrante europeu, ter nascido branco, quebrando a maldição de Cam na família. Em 1911, o Brasil expõe o quadro no Congresso Mundial das Raças, no qual se propõe a enfrentar os problemas de ser um país tão negro, trazendo mão de obra preferencialmente norte-europeia para branquear a população brasileira. Segundo João Batista de Lacerda, representante do Brasil neste congresso, os negros seriam “diluídos” entre os brancos, caindo no esquecimento.

Contudo, com a onda de conservadorismo brasileira impulsionada pelas igrejas pentecostais e neopentencostais, frases como a escrita naquele muro ressurgem na sociedade, endossadas por defensores de discursos de ódio raciais e religiosos, tais como Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Feliciano trouxe a frase de volta em 2011: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é a polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters rsss”. O relatório sobre a intolerância religiosa no Brasil, apresentado em conjunto pela juiz-forana Mariana Gino, mestranda em História Comparada pela UFRJ, pós-graduada em Ciência da Religião pela UFJF, e pelo professor Ivanir dos Santos, mostra traços racistas e eugênicos nessas manifestações, muito próximos ao racismo científico que permeava inclusive o ensino público no Brasil. Portanto a frase escrita no muro da Escola Estadual Fernando Lobo é perigosa e pode evocar correntes racistas, neonazistas, neofascistas e deve ser investigada pelo Ministério Público com dureza, e a população deve cobrar: “Quem é que está propagando falas eugênicas em pleno século XXI a jovens de nossa cidade?”. Juiz de Fora precisa deixar de fantasiar-se de paraíso racial e começar a discutir seriamente uma celeuma que renasce no bairro considerado o lar da classe média juiz-forana e pode ter consequências desastrosas para nossa sociedade.

Para os leitores que quiserem saber um pouco mais, pode ser acessado o link do vídeo “Sobre o racismo estrutural e a eugenia no Brasil” no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=983Ffgj_gBw&t=11s

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