Haiti: missão vai, mas ajuda fica


Por Tribuna

14/09/2017 às 07h00

Por Matheus de Andrade, Estudante de Jornalismo

O Brasil encerrou sua maior incursão militar no exterior desde a Guerra do Paraguai em um momento muito distinto de quando, em 2004, passou a coordenar as tropas da Minustah, a missão da ONU para o Haiti. À época, a política externa brasileira era qualificada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, como ativa e altiva, e dentre os pleitos brasileiros no cenário global estava a cadeira de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

A situação no país mais pobre do Hemisfério Ocidental também era diferente. A missão da ONU buscava evitar uma guinada nos distúrbios civis que poderiam eclodir em guerra no Haiti. Em primeira análise, a Minustah cumpriu seu papel, no entanto, trouxe importantes questionamentos sobre estes tipos de ações. No caso haitiano, as frequentes denúncias de abusos por parte dos soldados da ONU ainda se somaram a uma epidemia de cólera levada por um capacete azul nepalês em 2010, que, em um país arrasado, se alastrou, deixando cerca de dez mil mortos.

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Há de ressaltar que nenhum soldado brasileiro esteve nas denúncias, estes, em relatos locais, frequentemente, mais bem avaliados que os de outras nacionalidades. Além disso, o Brasil sai do Haiti com maior experiência em conflitos urbanos, aplicada, por exemplo, em favelas do Rio de Janeiro.
Recentemente, uma experiente funcionária do Médico Sem Fronteiras (MSF) me disse que a crise desencadeada pela cólera no Haiti estava dentre as piores que ela já havia enfrentado. Até 2016, fim da gestão do então secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, a questão não havia sido tratada com seriedade pela organização, que enfim assumiu a responsabilidade e anunciou um fundo para lidar com a situação, este ainda muito aquém de seu financiamento previsto.

Primeiro país independente da América Latina, o Haiti tem uma história envolvida em tragédias e uma população disposta a superar os revezes. Ao longo do século XX, os haitianos foram pilhados pelas ditaduras de Papa e Baby Doc. Em 2010, o país foi assolado por um dos maiores desastres naturais da história, quando um terremoto matou mais de 200 mil pessoas. Tentando ainda se recuperar, os haitianos enfrentaram o furacão Matthew no ano passado.

As consequências da Minustah devem ser debatidas para um melhor panorama sobre a efetividade neste tipo de missão. No entanto, o fato é que a ajuda humanitária esteve presente no país, contando com amplo respaldo dos locais. Organizações como o MSF e a Pastoral da Criança, fundada por Zilda Arns, uma das vítimas do terremoto de 2010, tiveram importantes contribuições em situações de vulnerabilidade humanitária no território.
Neste sentido, a recente visita realizada pelo arcebispo diocesano de Juiz de Fora, dom Gil, que foi ao país para promover ações, deve ser ressaltada. A missão de paz brasileira no Haiti vai, mas a solidariedade com a nação deve ficar. O Haiti não é aqui. Mas nem por isso devemos fechar os olhos para um desastre humanitário na nossa América Latina.

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