O desarmamento como primeiro passo

“É preciso que tenhamos a noção de que o excesso de armas em mãos de bandidos não justifica o armamento da população. O risco de tragédias e acidentes impõe ponderação”


Por Luiz Fernando Valladão/ Professor universitário e advogado e membro do Instituto de Ciências Penais (ICP)

12/11/2017 às 07h00

 

Las Vegas acaba de ser palco do maior ataque a tiros da história dos Estados Unidos. Foram 59 mortos e 500 feridos. Acometimentos como esse, motivados por ações extremistas ou não, ocorrem com mais frequência do que se gostaria de ver e levantam o debate sobre o desarmamento. A compra de armas nos EUA é tão simples quanto a de uma bicicleta. Existem lojas físicas e on-line, feiras e exposições com modelos de diferentes tipos e preços.

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Os Estados Unidos registraram um tiroteio em massa por dia do ano – índice mais alto entre as nações desenvolvidas. Só em 2014, foram quase 34 mil crimes cometidos com armas de fogo no país. No mesmo período, no Japão, a taxa foi de seis, uma das menores do mundo. Para se comprar uma arma no país asiático, é preciso passar por horas de aula e realizar testes escritos e de tiro ao alvo, com 95% de aproveitamento. É obrigatório também ser aprovado em exames psicológico e antidoping. Devem ser conferidos, ainda, eventuais antecedentes criminais e ligações com grupos extremistas – do comprador, de amigos, familiares e até de colegas de trabalho.

Segundo o Mapa da Violência 2016, no Brasil, em 2015, quase 42 mil pessoas foram executadas a tiros. E, no caminho inverso do que parece lógico, um projeto que tramita no Senado brasileiro prevê um plebiscito para consultar a população sobre revogação do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03). Quem defende a revogação do Estatuto argumenta que o direito de portar e possuir armas tem a finalidade de defesa. Em verdade, vivemos uma sensação constante de insegurança e impotência, mas uma questão pertinente é se o uso de armas alteraria esse quadro.

O simples fato de possuir uma arma não representa segurança, em primeiro lugar, porque o seu uso adequado exige treinamento – não incluso na compra. Além disso, é preciso preparo psicológico e físico para agir de forma correta ao puxar o gatilho. Enfrentar e vencer quem é veterano no crime são dificuldades até de policiais e militares treinados, quem dirá de civis.

Nesse sentido, a eventual extinção do estatuto representaria um enorme retrocesso para o país e jogaria por terra os avanços desses 13 anos de existência da lei. Em sua atual forma, a lei dificulta que pessoas comuns comprem e registrem armas de fogo. Como está, ela exige exames técnico e psicológico, vasta documentação e declaração efetiva da necessidade. Tal burocracia desestimula aqueles que têm interesse em adquirir uma arma.
Há quem diga que não há soluções para evitar tanta violência no país, e ser cético nesse sentido é, até certo ponto, compreensível. Todavia é preciso que tenhamos a noção de que o excesso de armas em mãos de bandidos não justifica o armamento da população. O risco de tragédias e acidentes impõe ponderação. Ademais, o Estado precisa investir no campo da segurança, sendo que o Estatuto do Desarmamento, a par dos dados jurídicos inclusive penais, trouxe a bem-vinda cultura da paz. Esta, sim, merece ser incentivada por atos do cotidiano, até mesmo nas brincadeiras infantis, nas quais não devem ser inseridos as armas de brinquedo e os estímulos às lutas corporais. O Estatuto do Desarmamento merece ficar!

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