O olimpo ideal da heteronormatividade


Por Gabriel Ferreira Borges

30/06/2020 às 07h14- Atualizada 03/07/2020 às 18h22

Como qualquer indústria, o futebol reivindica a apatia. Por vezes, a perversidade. O futebol é embalado a vácuo em um plástico moral constrangedor; é tomado por uma desfaçatez característica ao tratado das institucionalidades modernas. Códigos, regulamentos e protocolos tomaram há tempos qualquer arrebatamento de espontaneidade do futebol. Tomaram qualquer arroubo de subjetividade.

As entidades, os clubes, os jogadores, os torcedores e a crônica inauguraram uma realidade paralela, na qual injúrias raciais, violência de gênero e LGBTfobia são mecanismos inerentes à competição. Porém, a custos sórdidos, cínicos. Os milhões de reais que empregam jogadores condenados por estupro e violência doméstica são os mesmos que impõem a mordaça aos LGBTQIA+.

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Em 2017, Robinho, 36 anos, foi condenado, em Milão, Itália, a nove anos de prisão por estupro coletivo de uma jovem de 22 anos à época. Desde então, não põe os pés no país. Hoje, Robinho está normalmente empregado pelo turco Istanbul Basaksehir. Em setembro de 2019, o atacante teria desfalcado o time turco em confronto contra a Roma, na capital italiana, temendo a prisão.

Em dezembro, Jean, 24, foi preso em Orlando, Estados Unidos, depois de agredir a esposa. O São Paulo, então clube do goleiro, suspendeu o seu contrato. Em fevereiro, no entanto, o jogador foi apresentado como novo reforço do Atlético Goianiense. E o caso mais emblemático: Bruno, 35. Mesmo condenado por feminicídio e em regime semiaberto, foi disputado no mercado por clubes de divisões inferiores como um grande reforço, bem como reverenciado por torcedores.

Entretanto, a estrutura futebolística é incapaz de garantir a qualquer jogador profissional a segurança de assumir a sua homossexualidade ou bissexualidade sem que por elas o seu desempenho técnico seja julgado ou contratos de publicidade sejam reavaliados. A masculinidade que escapa à virilidade, à competitividade e à rispidez características à heteronormatividade é prontamente repreendida. Diante da rejeição por conta da própria orientação sexual, o rendimento máximo de um atleta é mero detalhe.

Há quem pondere as exceções à regra da modalidade feminina, como, por exemplo, Marta, a maior jogadora da história do futebol feminino, e Cristiane, a maior artilheira da modalidade em Jogos Olímpicos. Ambas são lésbicas. Mas esquecem que o mesmo público, majoritariamente masculino e heterossexual que oprime jogadores homossexuais e bissexuais, tem fetiche por casais lésbicos. O futebol profissional, enquanto olimpo ideal da heteronormatividade, não suporta casais gays.

Celebrado, no último domingo (28), mais um Dia do Orgulho LGBTQIA+, não há sequer um jogador dentre os milhares das quatro principais divisões do futebol nacional que seja assumidamente homossexual ou bissexual. Enquanto o esporte profissional avaliza a violência de gênero como aceitável, a diversidade sexual ainda peleja em campeonatos amadores organizados e exclusivos à própria comunidade LGBTQIA+.

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