Por um novo modelo de psiquiatria no esporte

Médico juiz-forano Helio Fádel defende a presença de um psiquiatra no departamento médico das equipes para diminuir o preconceito na área e elevar cuidados mentais com atletas profissionais e amadores


Por Bruno Kaehler

11/03/2018 às 07h00

Foto: Leonardo Costa

Preparadores físicos, médicos, fisiologistas, massagistas e psicólogos são alguns dos profissionais que integram, culturalmente, o departamento médico (DM) de equipes esportivas, de alto rendimento ou não. Quanto há um transtorno mental em algum atleta, contudo, ele é direcionado a um psiquiatra, em modelo terceirizado de atendimento. Esta realidade é o ponto de partida do projeto do juiz-forano Dr. Helio Fádel, psiquiatra especializado na área esportiva, que busca a incorporação do psiquiatra no DM das agremiações, em contato diário com todos os integrantes das instituições da área, iniciativa ainda pouco difundida no Brasil.

Médico formado pela Suprema-JF, assim como em Psiquiatria no Hospital Central da Aeronáutica do Rio de Janeiro (RJ), Fádel é membro da Sociedade Internacional de Psiquiatria do Esporte (ISSP) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), além de co-autor do livro Psiquiatria do Esporte – Estratégias para qualidade de vida e desempenho máximo, com lançamento agendado para 23 de março, no Rio de Janeiro, e 4 de abril, em Juiz de Fora. Ex-atleta de equipes brasileiras e da Espanha, ele iniciou conversas com clubes e dirigentes da cidade, assim como do país, caso do Flamengo, e explicou o projeto à Tribuna em entrevista exclusiva.

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Tribuna de Minas – Seu objetivo é implementar o psiquiatra no departamento médico de agremiações esportivas?

Helio Fádel – Isso é muito importante porque o modelo atual instituído de um psiquiatra é de uma forma mais terceirizada. Isso coloca o psiquiatra como uma figura intervencionista apenas para momentos de crise. Quando chega um atleta, e falando um pouco de agremiações esportivas, ele já tem um transtorno instaurado. O modelo que eu proponho da psiquiatria do esporte é que haja um acompanhamento, uma assistência psiquiátrica multiprofissional com os psicólogos do esporte, nutricionistas, fisiologistas, médicos do esporte, desde as categorias de base. Porque é na base que muitos transtornos psiquiátricos tendem a surgir. E sabemos que quanto mais precoce for a intervenção, melhor o prognóstico do atleta. São diversos os benefícios deste modelo a atletas, agremiação esportiva e até psiquiatra. É o atendimento in loco, na prática diária, podendo observar o esportista, como são suas relações interpessoais, uma eventual mudança de comportamento, o comprometimento dele no seu trabalho. É um projeto ainda embrionário, mas que tem uma pertinência muito grande. Vemos na mídia os jogadores de futebol, que muitas vezes têm que se deslocar até um psiquiatra, o que pode gerar uma exposição negativa. Se você prover isso todos os dias, o jogador terá uma relação médico-paciente melhor, vai estabelecer uma confiança com o psiquiatra e seu prognóstico, toda a sua aceitação e dos demais para a psiquiatria irão melhorar.

 

– Como ex-atleta, quais benefícios da implementação deste modelo no clube?

– O atleta ainda tem uma sensação de vulnerabilidade, de fragilidade ao ter que buscar o psiquiatra. Ele geralmente não recebe bem essa notícia ou solicitação do clube. E através desse modelo terceirizado os jogadores acabam não indo ao psiquiatra algumas vezes e isso se torna público, as pessoas começam a criticá-lo… é algo que a psiquiatria do esporte in loco, no contexto de acompanhamento diário, evitaria. Ele vai entender como apenas mais um profissional da área de saúde que estará cuidando dele e dos demais. Claro que um atleta com um problema pontual irá receber uma atenção maior. Esse modelo que eu estou trazendo visa também uma assistência aos familiares dos atletas, como se fosse um convênio mesmo com a instituição. Os jogadores terão assistência, assim como podemos dar aos familiares e próprios dirigentes. Isso vai ajudar no crescimento individual e da agremiação.

Foto: Leonardo Costa

– Você chegou a conversar com agremiações de Juiz de Fora?

– Sim, e não só de Juiz de Fora. Tive a oportunidade de conversar com o Tupi, onde foram muito receptivos e acharam a ideia pertinente. Estamos projetando para 2018 ainda uma parceria. Paralelamente também conversei com o Clube Bom Pastor e com o JF Vôlei. Falamos de futebol por ser o principal esporte do país, mas a psiquiatria do esporte não se restringe ao futebol, e vou além: também não é apenas para profissionais de alto rendimento. Pessoas que fazem do esporte algo relevante na vida também podem se beneficiar com essa assistência até visando a otimização de sua performance. E fora da cidade pude conversar com algumas agremiações. Fui super bem recebido pelo Flamengo, o Dr. Márcio Tannure (chefe do DM do Flamengo) sempre muito atento e de uma boa vontade muito grande. É algo que ainda estou apresentando a eles. Toda a população precisa entender um pouco mais, quebrar esse estigma de que a psiquiatria é algo para gente doida, o que chamamos de psicofobia. Mas isso aos poucos tenho certeza que será integrado e muito bem aceito, como já vem sendo.

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– Qual o cenário da psiquiatria esportiva no país e no mundo?

– Em 1994 foi criada a Sociedade Internacional de Psiquiatria do Esporte, da qual sou membro atualmente. Nos Estados Unidos e países europeus eles já incorporam a psiquiatria de forma mais eficaz e presente. Vários times da NFL (liga de futebol americano), MBL (liga de baseball) nos EUA já possuem psiquiatras incorporados, e alguns países europeus vêm fazendo movimento em prol do psiquiatra no contexto esportivo, filiado à agremiação. No Brasil, das notícias que eu tenho, o Grêmio chegou a contratar psiquiatras para o Mundial que participou (dezembro de 2017), e o Atlético Paranaense também já tem psiquiatras, se não me engano são dois, que estão incorporando seu departamento médico. Já existe um movimento em prol disso.

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