Maquiadora faz sucesso no TikTok contando histórias de horror
Histórias para maquiar gente grande: Com o trabalho paralisado durante a pandemia, Aline Valentin aproveitou o ócio para contar histórias de horror enquanto se maquia na frente da câmera e conquistou quase 200 mil seguidores na rede TikTok
Com a cara limpa, a primeira etapa é cobrir o rosto com um filtro solar com cor. Depois, pentear a sobrancelha e desenhar alguns dos fios com uma caneta especial. Em seguida, espalhar corretivo facial sobre as olheiras. Mais tarde, aplicar um blush rosa nas maçãs do rosto. Por fim, passar rímel para realçar os cílios. Cada fase exige uma pausa para que no final tudo se encaixe em 59 segundos, tempo bastante para que Aline Valentin narre uma pequena história de horror. Não há ensaios para que não se perca a espontaneidade. Tal qual sua make, a narrativa também deve soar natural. Reunindo beleza e terror, a maquiadora nascida em Três Rios e radicada em Juiz de Fora já soma mais de dois milhões de curtidas no TikTok, aplicativo lançado este ano no país e intensamente popularizado durante a pandemia.
Há menos de um mês, Aline começou a publicar na rede social narrativas assombradas ou dramas reais assustadores, como o da jovem russa Olga Moskalyova, atacada por ursos num passeio com o padrasto. Já havia arriscado o mesmo no Instagram, mas o formato da rede de propriedade do Facebook não parecia compatível. “Começou como uma completa brincadeira. Estava à toa em casa e criei para ser uma distração. Não levava fé, mas começou a dar certo muito rápido. É até meio assustador dormir com mil seguidores e acordar com 25 mil”, diz ela, hoje com quase 200 mil. Alguns de seus vídeos mais famosos ultrapassam a marca de 100 mil visualizações. Das próprias tramas, passou a receber sugestões.
“Leio 40 mensagens por dia e caem mais 40 instantaneamente na minha caixa de mensagens. Está sendo uma troca muito interessante. As pessoas me contam o que não tinham contado a ninguém”, observa Aline, agora envolvida numa rotina em que posta ao menos seis vídeos por dia em sua conta. Ainda que se renda a alguns hits do TikTok, ela privilegia as histórias de terror, paixão de infância. “Lembro de quando tinha 8 anos e fui a uma locadora de VHS com a minha mãe e quis alugar ‘O massacre da serra elétrica'”, recorda-se. O atendente do estabelecimento não permitiu. Aline conta ter ficado possessa e não desistiu. “Fui em outra e aluguei”, diz, aos risos, por telefone.
Do gênero preferido, o filme que mais a chocou foi o franco-canadense “Martyrs”, de 2009. Entre os clássicos, elege “O iluminado” como seu favorito. A produção nacional, afirma não assistir. “É bem difícil. Sei de uma galera produzindo livros, contos, mas para TV e cinema não conheço.” E o que narra, garante acreditar. “Sou muito aberta, não sou das que desconfia das coisas. Se a pessoa está me contando, ao menos para ela foi verdade. Tem muita coisa inexplicável nesse mundo”, reflete a dona de cabelos curtos e rosas, nada trevosos.
De casamento a Halloween
Maquiadora profissional há cinco anos, Aline Valentin estava ociosa quando começou a publicar seus vídeos no TikTok. A pandemia paralisou as atividades no estúdio onde trabalha e cancelou todos os eventos para os quais assinaria algumas das maquiagens. É a primeira vez que ela pisa no freio num ofício que só aumentava a velocidade. Formada em nutrição e em moda, Aline era vitrinista de uma loja quando ficou desempregada e pediu ajuda ao amigo Victor Fish, dono de um estúdio de penteado e maquiagem. Assistindo vídeos na internet e treinando na própria pele, Aline demonstrava talento. De assistente ela passou a profissional. “Gosto da maquiagem com o acabamento mais natural possível. Não gosto da pele pesada. Tem que ser: ‘Nasci assim, linda!’. Também gosto de brincar com cores, com o lúdico. Chamo minha maquiagem de make criativa”, explica ela, aos 34 anos, metade deles vivendo em Juiz de Fora. Amiga da atriz Letícia Lima, também já maquiou famosas como as atrizes Monique Alfradique e Nathalia Dill e a apresentadora Adriana Galisteu. Faz de casamento a Halloween. “Gosto de tudo”, afirma.
A rede que assusta os EUA
Criado pela startup mais valiosa do mundo, a chinesa ByteDance, o TikTok é a versão ocidental do chinês Douyin, lançado em 2016 e um aprimoramento do Musical.ly, aplicativo de dublagem de música que a startup adquiriu numa transação milionária em 2017. Com mais de 2 bilhões de downloads no mundo, o TikTok viu sua popularidade se ampliar no Brasil durante a pandemia. Entre março e julho, o Google identificou um crescimento de 600% nas buscas pela plataforma. Tamanho crescimento já acende sinal de alerta no Vale do Silício, e gigantes como o Facebook travam batalha contra a rede chinesa.
Para Aline Valentin, o sucesso da nova plataforma se deve a uma singularidade: “O TikTok é mais leve que as outras redes sociais, não tem muita preocupação, importa-se com levar a diversão para a internet”, avalia sobre uma rede ainda distante dos confrontos políticos e das discussões intelectuais. “Também notei que tem mais hater e trolls. Mas eu não passo por esse tipo de problema. Acho que ele veio para ficar”, aposta ela, que ainda não conseguiu monetizar seu sucesso, mas espera fazê-lo em breve.
“Por enquanto ainda não consegui um retorno financeiro. Não deu tempo. Mas sei que nos Estados Unidos há uma ferramenta no próprio aplicativo indicando parcerias e que deve chegar ao Brasil em breve”, pontua Aline, citando Mário Jr., aquele das cantadas imaginárias, que rapidamente se tornou uma celebridade no TikTok e hoje conta com duas marcas patrocinando-o. Apontada pelo governo norte-americano como ameaça à privacidade, a plataforma já é alvo de estudos que avaliam restrições de uso nos Estados Unidos e no Japão, e na Índia já foi até bloqueada, mas segue crescendo. Como Aline e seus vídeos, o TikTok também assusta e ganha popularidade.