Iriê Salomão abre mostra “Ver além” nesta quinta, 31

Artista apresenta detalhes e paisagens, frutos de suas viagens, em exposição na Casa D’Itália


Por Mauro Morais

30/08/2017 às 06h00

Iriê Salomão acredita ter nas novas obras um marco da carreira de quase quatro décadas: “Estou mudando o ponto de observação e o ponto de realização”. (Foto: Leonardo Costa)

Para dizer de um ofício que lhe invadia as horas todas e lhe moldava a forma de estar no mundo, o poeta Murilo Mendes dizia ter um “olho armado”. “O prazer, a sabedoria de ver, chegavam a justificar minha existência. Uma curiosidade inextinguível pelas formas me assaltava e me assalta sempre. Ver coisas, ver pessoas na sua diversidade, ver, rever, ver, rever. O olho armado me dava e continua a me dar força para a vida”, escreveu o juiz-forano em seu “A idade do serrote”.

Conterrâneo do poeta, o desenhista Iriê Salomão tem no olhar o que lhe inspira a preencher o papel. Tudo o que olha é desenho em potência. “Sou desenhista de detalhes. O que normalmente as pessoas deixam passar desapercebido, eu enxergo”, conta o artista, que apresenta os resultados do olhar atento na exposição “Ver além”, com abertura nesta quinta, 31, às 19h, na Casa D’Itália. “Tem paisagem do interior de Minas, bucólica, sem casarios, só a paisagem. Tem os ladrilhos de Portugal, de uma viagem que fiz no ano passado. Tem uma cena do Cine-Theatro Central que parte de um detalhe da pintura do prédio. Tem, também, um azulejo de uma estação de metrô de Buenos Aires”, enumera.

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Em seu “Ver além”, Iriê propõe-se a registrar lugares e objetos que marcaram seus últimos percursos, sem o imperativo da exatidão própria da fotografia, mas considerando a poesia implícita na artesania do desenho. Um bom exemplo, diz, está no painel “As quatro estações”, de Portinari, na Avenida Rio Branco. O artista solicitou a outro artista, o fotógrafo Humberto Nicoline, que fizesse um registro do mosaico símbolo de Juiz de Fora e, partindo da foto, desenhou seu trabalho.

A delicadeza do registro

(Foto: Leonardo Costa)

“Esse ‘ver além’ é fazer esse deslocamento, que é próprio do artista, um olhar que não se repete”, explica ele. “Parto sempre da observação, de lugares comuns e seus detalhes riquíssimos, que as pessoas muito apressadas ou distraídas não veem”, comenta ele, que em seu processo faz o desenho em preto e branco e também sobre a aquarela, como os ladrilhos portugueses, que remetem à série anterior, sobre os ladrilhos da Companhia Pantaleone Arcuri. As peças europeias são retratadas com uma primeira camada em aquarela, e os adornos, produzidos com a técnica do bico de pena.

De uma delicadeza tal, as obras de Iriê em “Ver além” representam o equilíbrio entre técnica apurada e sensibilidade superlativa. “Esses trabalhos me exigem o conhecimento técnico, um preparo físico muito grande para ter a mão e os braços firmes para ficar horas desenhando, fazendo esses traços. O requinte de detalhes chega a um extremo tão grande, que quando as pessoas visitam meu ateliê ou a exposição, entrego uma lupa para que percebam os detalhes.”

Segundo o artista, ainda que os desenhos partam de um referencial tangível, há liberdade criativa em todo o procedimento. “Tudo é permitido, mantendo sempre a preocupação com o estilo barroco, que é onde me encontro”, diz, para logo acrescentar: “A inspiração vem de Deus, dos amigos espirituais, como diria João Nogueira, ‘é uma luz que chega de repente/ com a rapidez de uma estrela cadente/ que acende a mente e o coração'”.

Mudança de foco

(Foto: Leonardo Costa)

Prestes a completar quatro décadas de desenhos – o primeiro prêmio recebido data de 1979 -, Iriê Salomão enxerga um marco na nova mostra. “É a primeira vez em Juiz de Fora que vou mostrar paisagens, campo, mata, montanhas”, pontua, citando, ainda, uma cozinha mineira, uma cena doméstica bem tradicional. “Estou mudando o ponto de observação e o ponto de realização. Essa exposição significa ver além da minha própria arte”, sintetiza.

Desde garoto, recorda-se, observa os detalhes. “Aprendi com o meu pai que o mundo é feito das pequenas coisas. Olho para um objeto, para uma paisagem, vejo o desenho, a arte”, afirma. “Para onde vou estou sempre olhando com olhos de buscar inspiração. Estava em Belo Horizonte, há algum tempo, quando entrei na casa da Gerdau (Museu das Minas e do Metal) e olhei para o piso e me inspirei para uma das ilustrações do livro da Pantaleone Arcuri. Não consigo desconectar. Sou artista o dia inteiro, e tudo é fonte, mas pode ou não virar obra de arte. Estou sempre vendo além do óbvio”, conclui o desenhista de olho armado.

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