Comunidade conhece livros doados à Biblioteca Pedro Nava, que acaba de reabrir

Espaço reinaugurado no Monte Castelo exibe objetos do escritor juiz-forano


Por Mauro Morais

29/11/2017 às 07h00- Atualizada 29/11/2017 às 08h08

Biblioteca exibe cadeira, máquina de escrever e obras de Pedro Nava (Foto: Olavo Prazeres)

O que o escritor, considerado um dos principais memorialistas brasileiro, Pedro Nava diria ao ver a Biblioteca que carrega o seu nome no Bairro Monte Castelo, Zona Norte de Juiz de Fora? À pergunta, responde uma de suas mais produtivas pesquisadores, a professora Ilma de Castro Barros e Salgado: “Numa entrevista que ele deu ao Salvatore Maddalena, em 1980, que é a última parte do meu livro ‘Juiz de Fora descrita por Pedro Nava’, ele termina dizendo que a mensagem que deixa aos moços da cidade é de amor. Ele comparou o que Drummond fala sobre a mocidade e dizia: ‘Essa é a mensagem de um homem que nunca se esquece de que seu registro civil, seu umbigo e seu primeiro dente de leite ficaram em Juiz de Fora e que essa cidade dispõe do meu coração’.

Há um afeto tão grande nessa fala. Até porque o Pedro Nava não era piegas.” Revitalizada, ostentando três novos computadores, uma grande mesa e um confortável sofá, além de suas 11 estantes repletas de livros, o espaço reabre suas portas, após quatro anos em reforma, reservando uma vitrine exclusiva para peças que há quase 15 anos permaneceram escondidas. Aos olhos do público, estão a cadeira e a máquina de escrever onde o autor de “Baú de ossos” datilografou todos os seus originais.

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“Pelo fato de eu ser estudiosa, acabei tendo uma ligação grande com a família do Nava”, comenta Ilma. “Esses objetos vieram para a comemoração do centenário de nascimento dele, em 2003. Veio muita coisa do Rio de Janeiro, e esses dois pertences ficaram em Juiz de Fora, com autorização do sobrinho, Dr. Paulo Penido, herdeiro, na condição de que ficassem em exposição permanente.

Com a inauguração do Mamm (no prédio da antiga reitoria, na esquina das ruas Santo Antônio e Benjamin Constant), esses objetos ficaram no almoxarifado. Era uma tristeza muito grande para o herdeiro. A alegação era de que não havia espaço. Fiquei calada por dez anos, até que procurei o museu mais uma vez. Estava tudo bem cuidado, mas não havia espaço. Foi então que tive um insight e pensei em doar para a Biblioteca comunitária. Entrei em contato com o Dr. Paulo, e ele me designou como responsável pela transferência, em 2013.”

Como está hoje? “Aliviada”, resume a estudiosa, certa de que a nova exibição das peças representa, também, um novo lugar para a obra de Nava, que carece, contudo, do acesso das novas gerações. Próximo de completar 115 anos de nascimento, o escritor morto há mais de três décadas irrompe 2018 com seu acervo na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, aberto ao público e o recente lançamento de “Descendo a rua da Bahia – Correspondência entre Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade” (Editora Bazar do Tempo), organizado pelas pesquisadoras Eliane Vasconcellos e Matilde Demetrio dos Santos.

Na cidade, após impasse entre Prefeitura e Câmara Legislativa, sete de suas obras tornaram-se bens imateriais municipais. Longe de se tornar um escritor popular, Nava ganha, crescentemente, atenções diversas, seja pelo virtuosismo de seu projeto literário, seja pelos mistérios que cercam uma biografia nunca totalmente decifrada.

Acesso à cultura

Moradores conhecem alguns dos 250 novos livros doados à Biblioteca pelo programa Eu Faço Cultura (Foto: Olavo Prazeres)

Único espaço na cidade dedicado à memória de seu filho ilustre, a Biblioteca comunitária, no número 255 da Rua Geraldo Gomes Ribeiro, tornou-se reconhecida por, como seu patrono, redimensionar narrativas até então individuais. “Pedro Nava sempre foi meio esquecido na cidade. Ficou num segundo plano, já que Murilo Mendes, com justiça, ocupou a posição de ser o poeta e o escritor da cidade. Ajudamos, então, a projetar a importância do Nava na cidade. E o mais importante foi dar acesso a um bem cultural de alguma forma inatingível para grande parte da comunidade. E foi essa Biblioteca que impulsionou vários projetos. Por meio dela, veio um telecurso, em parceria com o CES/JF, e formamos sete turmas de primeiro e segundo graus, de supletivo presencial.

O auditório, por exemplo, foi uma exigência da Biblioteca, para fazer reuniões, trazer autores e fazer lançamentos”, pontua o vereador Wanderson Castelar, um dos fundadores do complexo Farol do Saber, onde está a biblioteca e pertencente à Sociedade de Pró-Melhoramentos (SPM) do Monte Castelo.

Segundo Marcelo Palomino, atual presidente da SPM, as obras foram financiadas com recursos públicos, via leis de incentivo, como a verba da Lei Murilo Mendes, ou com doações de empresas privadas.

A manutenção do local, contudo, continua dependendo de festas comunitárias e ações esparsas, como o Show de Prêmios que acontece no final do ano. “Hoje vamos trabalhar na internet, nas redes sociais, para aproximar os moradores. O fundamental é ter a participação da comunidade. Hoje temos uma parceria com as escolas próximas, que garantiram o acesso das crianças para pesquisas e trabalhos”, anuncia Palomino, afirmando também negociar o emprego de estagiários para atuar na Biblioteca. “Quando os computadores chegaram aos lares, houve um esvaziamento da Biblioteca.

O que era natural, já que era um espaço analógico diante do mundo digital. Por isso, até, que concebemos essa reforma, para modernizar. O espaço continua modesto, nosso acervo continua com uma parte no segundo andar, e chegaram mais livros, mas está muito melhor”, comenta Castelar.

Reformado ao longo de quatro anos, espaço oferece empréstimo de livros e acesso à informática (Foto: Olavo Prazeres)

Nova em folhas

Em meio aos livros, chamam atenção as esculturas da artista Niña Monteiro, vizinha da Biblioteca Comunitária Pedro Nava, que esculpiu em barro uma miniatura de corpo inteiro do escritor memorialista. Chamam atenção, também, os novos livros que compõem o espaço. Do recente “A espiã”, de Paulo Coelho, sobre a vida de Mata Hari, à celebrada antologia “Meu quintal é maior do que o mundo”, de Manoel de Barros, os novos títulos do lugar contemplam muitos gostos.

Das engraçadas crônicas de Antônio Prata em “Nu, de botas” ao romantismo de Vinícius de Moraes na coletânea “Todo amor”, lançada em junho, em capa dura, a seleção atende públicos diversos. Doação do programa Eu Faço Cultura, coordenado pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica (Fenae), as três grandes caixas de livros apontam para um dos mais bem-sucedidos projetos de financiamento cultural coletivo, através da destinação de parte do imposto de renda dos funcionários da Caixa Econômica Federal.

Em 2010, cerca de 18 mil pessoas destinaram parte do imposto ao programa, sendo considerado o ano de maior impacto. Em 2016, no entanto, após ajustes, o número que havia sofrido uma queda satisfatória, chegou à casa dos três mil contribuintes.”Houve uma descontinuidade, e hoje voltamos com um novo modelo, que o próprio Ministério da Cultura reconhece como uma boa experiência na área. É um dos formatos mais democráticos de acesso e financiamento à cultura. Não temos fins lucrativos e fomentamos a produção cultural, fazendo surgir plateia. Várias pessoas que receberam ingressos nossos, sequer pisaram num teatro ou num cinema. Uma vez fomos doar uns livros numa creche de Brasília e também doamos ingressos para o cinema. As professoras ficaram falando: ‘Vamos conhecer o cinema! Vamos conhecer o cinema!’.

No dia, tinha um segurança na porta do cinema, e uma das crianças perguntou para ele: ‘Você que é o cinema?!’. Ela não tinha nem noção do que era cinema. E são pessoas assim que conseguimos atender”, comemora Moacir Carneiro, diretor sociocultural da federação.

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Escola estadual também vai receber livros

Pela segunda vez o programa desembarca em Juiz de Fora. Na primeira vez, realizou a Rua da Cultura no Terreirão do Samba, com tendas de oficinas artísticas e shows instrumentais. “Esse modelo era efêmero e não despertava o interesse do doador. Daí refizemos o modelo e passamos a adotar um novo formato, criando uma plataforma virtual, onde o público beneficiário pode se cadastrar para resgatar dois produtos culturais por ano.

Tem também a Biblioteca Renovada. A ONG, a entidade ou a escola se cadastra, a nossa equipe técnica entra em contato para adequar os livros ao público atendido. Depois enviamos em torno de 250 livros, que representam cerca de R$ 10 mil. Não pode ser livro didático, só literatura. Tanto faz se é nacional ou internacional, clássico ou mais recente”, explica Carneiro, anunciando que outro espaço local receberá doação de livros. Segundo o diretor sociocultural, o cadastro da Escola Estadual Fernando Lobo está em fase de finalização, e a doação deve ser feita nos próximos meses.

Desde janeiro, incluindo idosos e deficientes físicos como seu público-alvo, além de crianças, adolescentes e moradores do interior do Brasil, o programa é um dos primeiros do país a projetar ações como a Sessão Azul, a cor adotada para o autismo, presente em salas de cinema de cinco cidades brasileiras. “Ela é voltada para os autistas, o som é mais baixo que o normal, a iluminação não é totalmente apagada, a quantidade de cadeiras ocupadas é menor que a lotação, é permitido que as pessoas se levantem e andem na sala, e há um acompanhamento de psicólogos e educadores. Nessa sessão também levamos crianças que não são autistas, justamente para incluir”, emociona-se Carneiro, defendendo o acesso à cultura como eixo principal da transformação social, máxima compartilhada com a Biblioteca comunitária que carrega no nome o médico que nunca se distanciou da palavra subjetiva.

Biblioteca Comunitária Pedro Nava
De segunda a sexta-feira, das 13h às 17h, na Rua Geraldo Gomes Ribeiro 255 – Monte Castelo

 

 

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