Gilson de Barros adapta o ‘Grande Sertão’ no monólogo ‘Riobaldo’

Com direção de Amir Haddad, releitura do clássico de Guimarães Rosa será encenada sábado e domingo no Museu Ferroviário


Por Júlio Black

28/07/2022 às 07h00

riobaldo
Gilson de Barros interpreta o protagonista de “Grande Sertão: Veredas” na adaptação do romance de Guimarães Rosa (Foto: Renato Mangolin/Divulgação)

Um dos maiores clássicos da literatura brasileira, “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa (1908-1967), tomou conta da vida do ator Gilson de Barros nos últimos anos, quando passou a pesquisar a fundo a obra do escritor mineiro. O resultado materializou-se no monólogo “Riobaldo”, adaptação do romance feita por Gilson com direção de Amir Haddad e que terá apresentações sábado e domingo, às 19h, no Museu Ferroviário. A peça deve ser a primeira de uma trilogia que o ator pretende encenar nos próximos anos.
“Riobaldo” é centrada no personagem principal de “Grande Sertão: Veredas” e mostra o ex-jagunço, interpretado por Gilson, relembrando já idoso seus três grandes amores: Diadorim, um incompreendido amor homossexual; a prostituta Nhorinhá; e a esposa Otacília, que o transformou em um “homem de bem”. Esse é um projeto que o ator iniciou em 2016, mas a ligação com o livro vem da juventude.
“Eu participei de uma peça aos 18 anos que adaptava uma parte de ‘Grande Sertão’, no caso, o julgamento de Zé Bebelo. Por conta disso, ganhei o livro na época, mas li apenas a parte do julgamento porque eu só queria pensar em teatro. Depois até li alguns pedaços, mas só aos 40 anos fui ler o livro inteiro, e virou meu livro de cabeceira”, relembra, acrecentando que decidiu fazer uma daptação do romance há seis anos.
“Quando me aposentei decidi que queria fazer um projeto só meu, então comecei a estudar o ‘Grande Sertão…’, a vida de Guimarães Rosa; procurei trabalhos acadêmicos a fim de encontrar um recorte. Foi nessa pesquisa que encontrei um trabalho que me deu a ideia de fazer a peça baseada nos amores de Riobaldo. Comprei outro livro, pois o meu estava todo rabiscado, e fui marcando o que poderia usar na adaptação; depois passei o computador, e desse arquivo fui tentando dar uma unidade de pensamento. Não tem uma palavra minha, é tudo do Guimarães.”
Nesse processo, que durou cerca de um ano, ele realizou algumas leituras do texto no Rio de Janeiro, inclusive na Academia Brasileira de Letras. Só então veio o convite ao diretor Amir Haddad, que aceitou participar do projeto após ler a adaptação. “Foram oito meses de ensaios até encontrar uma intepretação narrativa. O Amir me deu uma ‘pancada’ na cabeça, pois pensava na peça com som, luz, movimentos, e ele disse ‘você vai ficar sentado contando uma história’. No início fiquei em pânico, mas ele estava certo, pois no livro o que temos é o Riobaldo contando uma história, e é assim que eu fico no monólogo. É um texto muito forte, não precisa de muito mais que isso”, diz.

Estreia de ‘Riobaldo’ e… pandemia

Gilson de Barros conta que “Riobaldo” estreou em 7 de março de 2020 no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro; menos de uma semana depois, viu a temporada ser cancelada devido à pandemia. “Tomei uma porrada. Produzi toda a peça, estava com quase todos os ingressos para a temporada esgotados, e fecharam todos os teatros do Rio no dia 13 de março (de 2020); então fomos para o virtual a fim de não ficarmos doentes. Fui o segundo artista de teatro no Brasil a fazer uma temporada on-line; foram três, no total, e foi ótimo, pois estava começando a ficar em depressão”, rememora. “E ainda consegui ganhar dinheiro, pois com a temporada virtual todo mundo podia assistir, fosse nos Estados Unidos, Europa, pois todos estavam ávidos por alguma opção cultural, de lazer, por estarem presos em casa. Teve dia que ganhei mais de R$ 7 mil dessa forma, foi possível dividir com os técnicos, dar cestas básicas por dois meses para a equipe.”
As apresentações presenciais voltaram no segundo semestre de 2021, no Rio. Este ano, Gilson apresentou temporadas em São Paulo e Belo Horizonte antes de chegar a Juiz de Fora. No meio do caminho, ele teve a emoção de encenar “Riobaldo” pelo interior de Minas Gerais durante as comemorações dos 70 anos da boiada que Guimarães Rosa organizou para melhor conhecer a cultura sertaneja. “Eu me apresentei em Morro da Garça, em Andrequicé, distrito de Três Marias, onde morava o Manoelzão (Manuel Nardi), figura que o Guimarães transformou em protagonista de um de seus livros (‘Manuelzão e Miguilim’), e também na (34ª) Semana Rosiana de Cordisburgo (terra natal de Guimarães Rosa). Foi lindo, que generosidade do povo mineiro!”

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“Grande Sertão: Veredas”, a trilogia

Nesse giro por Minas, Gilson aproveitou para fazer a leitura dos textos do que planeja que se torne uma trilogia inspirada no romance de Guimarães Rosa, com estreias nos próximos anos. “O recorte dos amores do Riobaldo é o primeiro produto, enquanto o segundo tem como recorte o Bem e o Mal, ou seja, Deus e o Diabo em ‘Grande Sertão…’. Essa deve estrear em abril de 2023, em São Paulo”, antecipa. A última parte planejo lançar em 2025 e vai ser baseada no julgamento de Zé Bebelo, encerrando o ciclo que teve início quando tinha 18 anos.”
Caso consiga encenar a trilogia, Gilson de Barros tem o sonho de fazer uma temporada em que apresente as peças em apenas um final de semana em cada cidade. Enquanto o projeto não se torna realidade, “Riobaldo” está com agenda cheia. “A Prefeitura e o Governo de São Paulo compraram temporadas da peça. Por isso, em agosto vou me apresentar nos centros culturais dos subúrbios paulistanos durante os finais de semana. Em setembro serão cinco cidades do interior paulista, que ainda não foram definidas, e em outubro vou me apresentar no Sesc de Taubaté (também em São Paulo).”
O ator também pretende se apresentar em Brasília e pelo Nordeste, mas o que já está certo para 2023 são apresentações em Cuba (Havana), na França (Lyon) e Portugal (Lisboa). “E tudo isso graças ao Amir Haddad, porque só preciso levar meu figurino. Ele me deu um presente. Lembro que no início dos ensaios eu fiquei assustado, pirei de chorar e brigar, mas a Andréa Beltrão e o Pedro Cardoso falaram para não desistir, pois já tinham trabalhado com ele e conheciam o processo do Amir de desconstruir o ator, tirar seus vícios. O Pedro viu um pedaço do ensaio e disse para ter calma, que um dia iria agradecer. E estava certo: o Amir diz que nao gosta daquele teatro ‘mentiroso’, de voz empostada, de gestos exagerados, ele diz que gosta da verdade.” Se depender de Gilson de Barros, Riobaldo ainda tem muita história para contar.

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