Outras Ideias com Paulo Gomes Mendes
As pessoas viravam a cara por ser camelô? “Não”, responde. Chegou a sofrer algum preconceito?, insisto. “Não. Pelo contrário, isso daqui me deu muita firmeza na vida. O local é a gente que faz. Sou muito querido aqui, pelos clientes e pelos comerciantes. Sempre tem alguém brincando comigo. Só ganhei, por isso, sou muito feliz”, diz, sorrindo, Paulo Gomes Mendes, o PGM, como é conhecido no Bairro Santo Antônio, onde mora há 48 anos. Um dos mais longevos vendedores ambulantes da Avenida Getúlio Vargas, o homem cuja barraca fica bem na esquina com a Rua Floriano Peixoto, carrega no semblante alegre a sua recusa por lamentações.
No jornalismo, por muitas vezes, somos levados a considerar que tudo é sempre previsível, quando, na verdade, a vida é infinitamente maior. Num dia normal de apurações, Paulo, de sua barraca, acenou para uma equipe do jornal dizendo que gostaria de contar sua história. Dias depois, fui ao seu encontro e percebi, ao me despedir, que ele queria dizer de seu orgulho em ter vencido na rua, sem vitimizações e reclamações. Paulo queria falar do trabalho e também do amor à esposa, às três filhas, aos dois netos e ao pequeno bisneto de 2 anos. Aos 65 anos, Paulo queria compartilhar as cores que carrega na barraca e em sua história. Questionado sobre como é ser camelô, contou: “Minha filha caçula chegou 16 anos depois que já tínhamos duas. Ela veio para completar a caminhada. Foi criada debaixo da barraca. Hoje formou-se em nutrição e está fazendo pós-graduação.”
Meias, laranjas e brinquedos
Há 38 anos, Paulo decidiu abrir mão da carteira assinada, que lhe rendia um curto salário, e foi se arriscar no Centro de Juiz de Fora. Já casado com Lúcia das Graças, começou fugindo dos fiscais. “Não tinha ponto, mas ficava sempre nesse pedacinho. Comecei a vender meias perto do poste. Forrava uma folha de jornal e ficava ali. Num domingo, fui na feira e comprei uma carrocinha com roda de bicicleta e comecei a vender os doces que ela (a esposa) fazia. Doce de batata, de mamão, tudo caseiro. Passou uns tempos, o moço que tinha, antigamente, uma carroça de laranja nessa esquina, decidiu me vender o ponto. Passei a vender laranja descascada na máquina, depois, tempero e, há uns 20 anos, parti para o brinquedo”, recorda-se ele, que chega por volta das 7h30 para montar bonés, bolas, chapéus, pelúcias e outros brinquedos na barraca. “Guardo a maioria das coisas dentro dela. O que sobra, guardo no meu carro”, afirma. Hoje aposentado, ele chegou quando numa mão eram contados os números de ambulantes na avenida.
Espectador da cidade
De sua barraca, viu o prédio do antigo DCE se deteriorar e ser revitalizado, viu o comércio se desenvolver à sua frente e a rua ganhar outro movimento. “Antigamente, às 17h, já tinha que ir embora, porque era muito perigoso por conta da grande prostituição”, lembra. Um dos maiores incêndios da história de Juiz de Fora, no aglomerado de lojas na esquina da Getúlio com a Floriano, Paulo viu desde o início. “Começou no horário de almoço, saindo uma fumaça. A cidade estava toda em movimento. Depois começaram os estouros, o bombeiro chegou, e o fogo continuou alastrando. Aí ficou feio, e demos um jeito de fechar a barraca. Guardei, mas acompanhei tudo. Às 21h, fui ao alto do Santo Antônio, e o fogo estava muito alto. Quando cheguei de manhã, não tinha mais nada. Foi uma pena”, lamenta, pontuando a amizade que tem com os comerciantes que o cercam.
Liderança amiga
Ao lado da esposa, que faz as compras em São Paulo – ela segue, em excursão para a metrópole saindo terça, às 20h30, chegando às 4h na capital, e retornando às 14h para Juiz de Fora -, ele vende seus objetos e acolhe pedidos. “Fui presidente na comunidade (Bairro Santo Antônio) por quatro mandatos. Ajudei muito. Tudo o que está ao meu alcance, faço. Sou muito procurado aqui, que é o meu escritório. Agora mesmo teve um amigo pedindo para que eu ligasse para a Settra para pedir um abrigo de ônibus para o bairro”, conta ele, que hoje preside a Associação dos Feirantes de Juiz de Fora, já que, aos domingos, tem uma barraca na Feira da Avenida Brasil. Fundador do Grupo de Recuperação Duas Vidas, dos Alcoólicos Anônimos, no Santo Antônio, também se dedica a compartilhar seu passado de angústia no vício. “Tive uma passagem na bebida, na época de casar. Isso me atrapalhou um bocado. Com as mãos amigas que me acolheram, há 38 anos não bebo e, também, há 17 anos não fumo”, orgulha-se. Das 24 horas do dia, diz restar um tempinho para a distração, mas, é na rua, na esquina da Getúlio com a Floriano, que gosta de ver o relógio girar os ponteiros. “Quando Deus me chamar queria que fosse aqui”, revela. Mas vai dar muita confusão, não é mesmo?!, questiono, ao que ele responde aos risos: “Vai dar um movimento danado mesmo”.