O teatro de Juiz de Fora cabe no Paschoal Carlos Magno?

Convidados pela Tribuna, artistas e produtores debatem a cena teatral de Juiz de Fora à vésperas da inauguração do Teatro Paschoal Carlos Magno, há quase 40 anos em construção


Por Carime Elmor (colaborou Mauro Morais)

25/02/2018 às 07h00- Atualizada 01/03/2018 às 14h28

Artistas e produtores debatem a oportunidade que a abertura do Teatro Paschoal Carlos Magno traz de se repensar a produção hoje (Fotos: Marcelo Ribeiro)

Prólogo

Em 1979, estreava em Juiz de Fora a peça “Nem tudo é azul no país azul”, dirigida por José Luiz Ribeiro, junto ao Grupo Divulgação, que, naquele ano, já completava mais de uma década de dramaturgia na cidade. Em uma das noites de espetáculo, em época de temporadas longevas, uma das cadeiras estava sendo ocupada por Paschoal Carlos Magno. O teatrólogo e crítico já havia estado em Juiz de Fora outras vezes, acompanhava e admirava a produção do Divulgação, bem como vivia em prol de viajar pelo Brasil reconhecendo talentos artísticos. Muitos espetáculos neste ano estavam acontecendo em apoio à Aldeia de Arcozelo, hoje Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, em Paty do Alferes, Rio de Janeiro. Idealizado por Paschoal, o espaço foi aberto em 1965 como uma residência artística para jovens de diferentes lugares. Paschoal havia contestado, em rede nacional, sobre a falta de apoio das autoridades em relação àquela ideia.

Em outro assento da plateia, estava o então prefeito Francisco Antônio de Mello Reis, inspirado pelas artes, além de frequentador, apoiava a “efervescência” cultural do momento. O ovacionar da plateia silenciava, quando Paschoal chamou a atenção do prefeito para a necessidade de se construir um teatro público para a cidade. Naquela época, o Cine-Theatro Central pertencia à Companhia Central de Diversões e, ainda assim, era coerente com a produção um espaço de porte médio. O Teatro Paschoal Carlos Magno nasceu da espontaneidade. Naquela noite Mello Reis prometeu que o faria.

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A Funalfa havia sido criada em 1978 e efetivamente começado a atuar em 1° de janeiro de 1979, ano em que foi anunciado o novo teatro. No ano seguinte, a fundação divulgava o nome do Stephan Cleobule Eleutheríades, arquiteto e artista plástico modernista, como vencedor da concorrência para elaboração do projeto arquitetônico. Em 1º de julho de 1981, segundo consta em arquivos do jornal “Tribuna da Tarde”, a área do teatro começou a ser levantada pela companhia Serveng-Civilsan na Rua Gilberto de Alencar, nome de jornalista e escritor juiz-forano. Todo o sonho de um espaço impulsionador da cultura, naquele momento, foi cessado meses depois com a paralisação das obras. De lá para cá, o Teatro fez muitas manchetes de jornal, inclusive um alarme em 1998, durante o governo de Tarcísio Delgado, quando possivelmente o terreno entraria em uma lista de endereços à venda.

Espaço Aberto

ATO I
Personagens de uma história

“Teatro é a única modalidade de arte que só pode existir com a presença do público e em tempo real. Aquela experiência é ao vivo e junto à plateia” (Gueminho Bernardes, diretor teatral)

“A polêmica resgata uma discussão de 15 anos: o destino do teatro inacabado”. Esta frase está escrita em uma edição de 23 setembro 1995 da Tribuna. Hoje, em 24 de fevereiro de 2018, 23 anos depois, a polêmica é atualizada para: “O destino do teatro acabado”.

Com a informação de que o Teatro Paschoal Carlos Magno será inaugurado na próxima sexta-feira (2), a Tribuna começa hoje a série de reportagens “Atos de um Teatro”, buscando entender o processo histórico do espaço e, principalmente, qual é o teatro de Juiz de Fora atualmente, em sua pluralidade de linguagem. Para isso, convidamos representantes de núcleos artísticos que estiveram e/ou estão ligados ao teatro desde 1980. No fim da tarde da última quarta-feira (21), recebemos nove integrantes da cena, entre atores, produtores, diretores e dramaturgos para uma ampla discussão.

O ano de 2015 foi um marco para a viabilização da reconstrução do teatro, através de recursos da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). Nesta época, a atriz Sandra Emília Costa acabava de deixar o cargo de representante das artes cênicas do Concult (Conselho Municipal de Cultura), após dois mandatos. Toninho Dutra respondia como superintendente da Funalfa, enquanto Carú Rezende, atriz do Corpo Coletivo e criadora do Espaço OAndarDeBaixo, trabalhava como assessora de cultura da instituição. O ator, diretor e pesquisador Hussan Fadel, parceiro de Carú, havia acabado de estrear no teatro com a “Casa dos Espelhos”, escrita e dirigida por ele. Ainda em 2015, o produtor cultural, ator e diretor Marcos Marinho, que organizava festas no esqueleto do teatro, havia acabado de estrear “Perdida! Electra num mundo de palhaços”, primeiro espetáculo da Caravana de Palhaços do Mezcla. Gueminho Bernardes, do Teatro de Quintal, também já havia ocupado o prédio organizando festas, bem como Henrique Simões, ator e diretor de muitas peças antes mesmo do anúncio da construção do Paschoal, como “Missa Leiga”.

O dramaturgo Tarcízio Dalpra Jr., por sua vez, nasceu no mesmo ano da conversa entre Paschoal Carlos Magno e Mello Reis, em 1979. Enquanto as discussões, verbas e intenções políticas de retomar o espaço e intervir na situação do teatro ora ganhavam força, ora permaneciam quietas – e, durante governos, ficaram praticamente intocadas -, Tarcízio foi crescendo, conhecendo a dramaturgia, se apaixonando pela escrita teatral. Fundou a Companhia Putz com a união de dez amigos que se formavam pelo Teatro Academia, entre eles Sandro Massafera e Zezinho Mancini. Em 2018, junto ao anúncio da abertura do novo-antigo espaço, um texto de Tarcízio é a única montagem teatral em cartaz na cidade: “Circo de baratas”, dirigida por Luís Gustavo Mandarano.

ATO II
“Qual é o teatro de hoje em Juiz de Fora?”

“Os grupos pedem salas emprestadas, às vezes em pequenos lugares, pequenos núcleos, com elencos reduzidos. Talvez o Paschoal possa vir para oxigenar um pouco isso” (Hussan Fadel, pesquisador e diretor teatral)

Esta pergunta deu início a uma conversa de aproximadamente duas horas na Redação da Tribuna. José Luiz Ribeiro prontamente se atentou para os muitos teatros e as muitas linguagens experimentadas na cidade, que sempre teve a vanguarda como vislumbre. “A grande transformação é que o teatro agora não tem mais uma única sala de espetáculo, houve uma implosão dos espaços. Se antigamente havia um lugar para 400 ou 500 pessoas, agora a gente tem um monte de pequenos espaços e muita pesquisa. Juiz de Fora é uma cidade voltada, desde 1950, sempre para a frente. E a gente vê uma explosão de quantidades de grupos, lugares que estão sendo feitos, e isso é maravilhoso. O público está cada vez mais se dividindo, não há mais um público único de teatro, há um público tribal e uma multiplicação com todas as linguagens.”

Tarcízio Dalpra responde, analisando a mudança da distribuição das produções, dizendo que não há mais as longas temporadas de teatro, os espetáculos que ficavam três ou até oito meses em cartaz. Agora se restringem a um fim de semana. “Você tem às vezes um fim de semana em um lugar, depois consegue pegar outro fim de semana em outro espaço, ficando meio nômade. Eu sinto falta dessas longas temporadas, desses espetáculos que a gente visualiza amadurecendo e crescendo, em dois ou até três momentos diferentes. Com exceção do Grupo Divulgação, não temos outra companhia dedicada a projetos mais longevos de apresentação.”

Assessora da Casa de Cultura da UFJF, Sandra Emília, com 45 anos de carreira na atuação, lamenta-se com nostalgia: “Tem surgido muita garotada pedindo espaço para ensaio. Tem muita gente de fora que está se mudando para cá e criando grupos. Muitos deles dizem que Juiz de Fora oferece espaços, e eu não entendo o porquê, já que há escassez tanto para ensaios quanto para apresentações”.

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“Estas longas temporadas não ocorrem mais por ausência de público?”, indaga retoricamente Henrique Simões. “Será que as produções não são suficientemente chamativas para interessar o público?”, rebate Sandra. “Teatro é a única modalidade de arte que só pode existir com a presença do público e em tempo real. Aquela experiência é ao vivo e junto à plateia. Não existe teatro no Youtube. Então quem mais está sofrendo com esta transformação da era digital é o teatro. Estamos vivendo um período dramático de escassez de público sim. A nova geração não está sendo apresentada ao teatro e não existe teatro sendo ofertado. Essa nova dinâmica, com essa diáspora para pequenos grupos, 20, 30 pessoas, eu não vejo isso com tão bons olhos. Me parece mais uma medida de resistência de quem tem profundo amor pela pesquisa e vai sobrevivendo desta forma em pequenos espaços”, avalia Gueminho.

Marcos Marinho se atenta não somente para a mudança de interesse do público, mas para a mudança da forma. “O que é Teatro?”, pergunta Carú a todos. “A questão não é apenas a de espalhar o público, mas de existir um outro tipo de público mais interessado em trabalhos intimistas. Não é questão de quantidade, mas de forma e de linguagem. As pessoas querem proximidade”, reflete Marinho.

“O público está cada vez mais se dividindo, não há mais um público único de teatro, há um público tribal e uma multiplicação com todas as linguagens” (José Luiz Ribeiro, diretor teatral)

O modo de se fazer teatro, pensado como experiência real diante da virtualização, é a grande questão da tendência em cena. “É importante pensar como o contexto interfere, no sentido de que não havia meios, então como os grupos fazem teatro?”, questiona Hussan. “Os grupos pedem salas emprestadas, às vezes em pequenos lugares, pequenos núcleos, com elencos reduzidos. Talvez o Paschoal possa vir para oxigenar um pouco isso. Aqui a gente não faz teatro para palco italiano, é raro ser como o Grupo Divulgação, que tem um histórico. O meio interfere no fazer, e o fazer vai deixando de buscar uma plateia de 400 pessoas. A gente não pode falar do Teatro Paschoal Carlos Magno apenas para apresentar um espetáculo nos moldes que está sendo feito hoje na cidade”, defende o diretor e pesquisador.

Para Toninho Dutra, que presenciou a retomada das obras do novo espaço, a cidade produz uma pluralidade de expressões capazes de ocupar o palco, mesmo que num tipo clássico. “Não é uma quimera a inauguração deste teatro”, argumenta, certo de que é a mesma a lacuna apontada por Paschoal Carlos Magno em 1979, no término de “Nem tudo é azul no país azul”. “O Paschoal vai interferir na produção teatral da cidade, porque os grupos jamais pensam, hoje, em um trabalho que chegue no Cine-Theatro Central. Poucos grupos se arriscam em se apresentar em espaços privados arcando todos os custos, porque a galera faz trabalho independente, muitas vezes sem patrocínio”, expõe Hussan, indicando que um novo espaço sugere exercício e risco. “Normalmente, a plateia fica reduzida, e vai para uma proposta mais intimista, com elenco reduzido, o que permite outra relação com o espectador, e essa é uma tendência geral do teatro contemporâneo.”

Assista parte do debate:

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