Ciclo de debates na UFJF discute o reflexo do Maio de 68 no presente

‘Ventos de maio: Cultura, política e sociedade nos anos 60 & 70’ acontece nesta quinta e sexta-feira


Por Júlio Black

24/05/2018 às 07h00- Atualizada 24/05/2018 às 07h14

“1968 não foi apenas o ’68 francês’. Foi uma época plural e diversa, com o movimento pela libertação da Argélia, a mobilização pelos direitos civis nos Estados Unidos, que são até mesmo anteriores”, explica o coordenador do Departamento de História da UFJF, Fernando Perlatto (Foto: Reprodução)

Um dos movimentos de protesto, contestação e política do século XX, as manifestações estudantis de maio de 1968 na França, que se desdobraram numa das maiores greves da história, é motivo de discussões, reflexões até os dias atuais. Para analisar e entender os reflexos desses protestos cinco décadas depois, a UFJF recebe, nesta quinta e sexta-feira, a série de eventos “Ventos de maio: Cultura, política e sociedade nos anos 60 & 70”. Dentre as atividades programadas, estão palestras, debates, leituras dramatizadas, roda de poesia e show.

De acordo com a organização do evento, um dos objetivos é repensar a política, a sociedade e a cultura entre as décadas de 1960 e 1970, que sob muitos aspectos encontram eco na situação do mundo contemporâneo, com muitas de suas bandeiras tendo a ver com lutas ainda travadas por diversos agentes preocupados com uma sociedade mais igualitária.

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Todas as atividades acontecem no Auditório 2 do ICH (Instituto de Ciências Humanas) da UFJF. A primeira delas, nesta quinta-feira, acontece às 14h, com palestra de Gilberto Vasconcellos sobre sua experiência durante o período e os reflexos na sua geração; depois, às 17h, acontece o debate “Ventos de maio na política e sociedade”, com Fernando Perlatto (coordenador do Departamento de História), Helena de Mota Sales (professora aposentada UFJF e presidente da Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora), Jorge Chaloub (Departamento de Ciências Sociais) e Valéria Marques Lobo (Departamento de História); a programação do primeiro dia será encerrada às 19h30, com a leitura dramatizada da peça “O rei da vela”, de Oswald de Andrade, pelo Corpo Coletivo.

Na sexta-feira, as atividades têm início às 15h30 com o debate “Ventos de maio na [contra]cultura & sociedade”, com participação de André Monteiro (coordenador da Faculdade de Letras), de Anderson Pires e Enilce Albergaria Rocha – ambos da Faculdade de Letras – e do músico e jornalista Edson Leão; na sequência, às 17h30, haverá roda de poesia com microfone aberto; o encerramento é às 18h, com a apresentação da banda Ou Sim…

Um dos organizadores do evento ao lado do professor Fernando Perlatto e da mestranda em história Nathalia Guimarães, André Monteiro destaca inicialmente o caráter interdisciplinar do evento, tanto ao criar algo novo a partir de conhecimentos oriundos de áreas diferentes, quanto por unir em uma mesma atividade o academicismo e a cultura, presente por meio de música, teatro e poesias. O Maio de 68 será tratado como um movimento que reflete a contemporaneidade por sua capacidade de fazer diferença no momento em que vivemos.

“Quando digo ‘contemporâneo’ não é no sentido de ‘atualidade’, mas sim por sua capacidade de transformar o que passamos hoje. O que podemos chamar de contemporânea nessas manifestações é a contracultura, que tem como uma de suas bandeiras a reivindicação do direito à diferença. É um tema muito relevante se pensarmos que vivemos o retorno de muitas bandeiras fascistas, tanto na ultradireita como vemos no Brasil, mas também na própria relação entre as pessoas. Até na própria esquerda há fascismo, uma patrulha muito forte.”

Paralelos com os tempos atuais

A partir desse contexto, o professor de História Fernando Perlatto lembra que um dos objetivos é justamente saber quais foram os desdobramentos não apenas do Maio de 68, mas também de outros movimentos dos anos 60, nos anos que se passaram. “Alguns foram mais imediatos, outros nem tanto. Temas como a luta das minorias, mulheres, movimentos LGBT, emergiram com muita força e se consolidaram nas décadas seguintes, ganhando atualmente novas proporções”, analisa. “Mas 1968 não foi apenas o ’68 francês’. Foi uma época plural e diversa, com o movimento pela libertação da Argélia, a mobilização pelos direitos civis nos Estados Unidos, que são até mesmo anteriores.”

Mesmo que os anos 60 sejam vistos como de emancipação e conquista, Fernando observa que há um outro lado, que vai do recrudescimento de setores conservadores aos revezes dos sonhos desfeitos, e que é possível fazer a partir daí conexões com os dias atuais. “Nós também tivemos muitas derrotas. Até 1968 foi um ano de derrotas, se pensarmos que no Brasil tivemos os movimentos estudantis contra a ditadura, e no final do ano veio o AI-5 (Ato Institucional Nº 5). Foi ainda o ano do assassinato de Martin Luther King e, apesar dos movimento pelos direitos civis, Richard Nixon, um conservador, venceu as eleições para a presidência dos Estados Unidos. E mesmo na França, que depois dos protestos viu os conservadores vencendo as eleições legislativas.”

Essa relação de ação-reação entre movimentos progressistas e forças conservadoras encontra paralelos nos dias atuais, segundo ele. “Recentemente tivemos movimentos como o Occupy Wall Street, a Primavera Árabe, as manifestações no Brasil, mas esse novo ciclo de manifestações, de agendas emancipatórias, provoca uma reação conservadora. Há um ciclo muito poderoso de fortalecimento de governos autoritários. Podemos pensar como esses movimentos emancipatórios têm como contraponto a reação de movimentos conservadores.”

Sobre a importância, cinco décadas depois, das manifestações ocorridas na França, André ressalta como elas podem servir de exemplo para as atuais e futuras gerações. “Se for repensado hoje, o Maio de 68 pode estimular novas batalhas contra vários tipos de opressão que acontecem em muitos pontos, da macro à micropolítica, do mercado, que te obriga a consumir determinadas coisas, a não ser diferente, do estado em diversos níveis”, analisa. “Outra das bandeiras da época era viver as possibilidades do corpo, que escapa da lógica do ‘corpo fordista’, disciplinado, que tem horário, predeterminado para alcançar uma produtividade. Era a defesa de um corpo que não oferecesse apenas lucro, mas também prazer. É uma questão que pode ser repensada na atualidade.”

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O que foi o Maio de 1968?

Cinquenta anos depois dos eventos que o tornaram um marco de mobilização, protesto, insatisfação e mobilização das massas, o Maio de 1968 teve início quando alunos e autoridades da Universidade de Paris entraram em conflito com a administração decidindo fechar suas portas e expulsar os líderes do movimento. Ao tomarem conhecimento da situação, alunos de outra universidade, a Sorbonne, realizaram uma manifestação violentamente reprimida pela polícia, que descambou para dias de confrontos entre estudantes e as forças de segurança.

A consequência foi o apoio do Partido Comunista Francês e da classe trabalhadora aos estudantes, com uma federação de sindicatos marcando uma greve geral que fez quase dois terços da força de trabalho do país cruzarem os braços. Pressionado e com medo de ser derrubado, o então presidente Charles De Gaulle consegue desmobilizar os manifestantes ao anunciar em 30 de maio eleições para o mês seguinte e promessas de aumentos salariais para os operários. Ainda que tenha conseguido uma sobrevida (seus aliados saíram vitoriosos nas eleições), De Gaulle renunciou à presidência em 28 de abril de 1969.

Os confrontos de Maio de 1968 foram uma marco para a história e influenciou além das fronteiras do país, com movimentos similares acontecendo pelo mundo. Na França, ajudou a produzir uma nova geração de políticos, como o então líder estudantil Daniel Cohn-Bendit.

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