A viola espera o violeiro

Almir Sater, que faz show no Capitólio nesta sexta-feira, 23, ama Minas Gerais, escuta Bob Dylan e conta sobre a sua viola preferida


Por Carime Elmor

22/06/2017 às 18h38- Atualizada 22/06/2017 às 18h44

Compositor sul-mato-grossense deve lançar, ainda este ano, o novo álbum “+AR”, em parceria com Renato Teixeira (Foto: Divulgação)

Nossa conversa começou bem entrosada, meu nome de origem árabe ajudou a quebrar o gelo. “Meu nome também é árabe”, comentou Almir Sater logo no início daquele papo tranquilo pré-entrevista. Ele e suas violas de dez cordas estarão em Juiz de Fora nesta sexta-feira, 23, no Capitólio, com show marcado às 22h.

O compositor estará acompanhado de seu irmão e parceiro musical Rodrigo Sater, violonista, também de Guilherme Cruz no violão, Reginaldo Feliciano, contrabaixista, e Marcelus Anderson no acordeom. Diz Almir Sater que tocar por aqui é sempre bom, por que tem um teatro bonito, as pessoas gostam, e ele, como todo bom violeiro, bebe na música de Minas Gerais, admira mais ainda as composições sofisticadas. “Minas é morro, é frio, o frio aconchega…”, comenta Almir, e é como ele vive na serra, enquanto conversa comigo diz avistar a mata.

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A literatura de cordel estampa histórias dos supostos pactos com o diabo dos violeiros sertanejos, em tom de brincadeira e seriedade ao mesmo tempo, já que se trata de um instrumento com som impecável, que exige meticulosidade e principalmente dedicação. “A gente passa dez, doze horas tocando a viola sem parar nem pra comer, quando vê, a calça começa até a cair”, brinca Almir. Muitas lendas giram em torno deste instrumento, que é um dos que mais representam a música brasileira de raiz. E, por ser tão difícil de ser executado, as pessoas foram inventando crenças sobre os violeiros, as fitinhas presas no braço da viola, os guizos, tudo tem um causo a ser contado, e assim se forma todo um mistério e valor cultural por trás das violas.

A história sobre como Almir Sater se encantou pela viola caipira é de verdade, e muita gente já sabe, mas vale a pena reiterar: já conhecia o som do instrumento, mas era difícil “se encontrar com uma viola”. Era estudante de direito no Rio de Janeiro, tinha largado sua terra mato-grossense e vivia como universitário na capital, até que um dia parou para ouvir jovens que tocavam viola na rua, no Largo do Machado, centro do Rio. Aquele momento foi o ponto de virada.

A melhor viola de sua vida

A partir daí, foi atrás de sua primeira viola caipira que foi encontrada em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Carrega com ele até hoje esse instrumento, uma viola em tom grená, avermelhada, com preto. Nessa época, havia deixado o Rio e voltado para sua terra natal, junto a sua família, em busca de si e de se dedicar à música. Abandonou a faculdade e foi conhecer os sons mais a fundo.

Mas a viola que é sua paixão até hoje foi uma que comprou enquanto estava na companhia do Tião Carreiro, compositor sertanejo de raiz da dupla Tião Carreiro & Pardinho. Ao entrar na loja de instrumentos, ele se deparou com uma viola que algum músico havia encomendado e não levara por conta de um detalhe no verniz, que estava um pouco craquelado. O comerciante da loja apresentou a ele a viola e ofereceu um preço especial, e essa é a melhor viola de sua vida. “A viola espera o violeiro”, fala Almir Sater. O compositor gravou quase todos os seus discos utilizando esse instrumento, com exceção de seus dois últimos trabalhos. Inclusive, essa viola estará no palco de hoje, com seu som peculiar que transmite o carinho e a conexão profunda com seu violeiro.

Mais recentemente, encomendou duas violas de Pouso Alegre, Sul de Minas Gerais. Elas foram fabricadas seguindo o tamanho que gosta, o da viola favorita, e, junto às duas, enviaram uma de surpresa com a qual ele se identificou muito mais. Presenteou outros músicos com as duas encomendadas e guarda com ele a que o surpreendeu. Essa viola é a que tem mais usado em suas novas músicas e aparece na capa do disco “AR”, lançado em dezembro de 2015, criado em parceria com o compositor e poeta Renato Teixeira. Eles são parceiros na música desde a década de 1980, quando Almir, em 1986, foi viver na Serra da Cantareira (SP), onde mora até hoje, próximo a Renato. Das que presenteou, uma ele deu ao Michel Teló, que também tem raízes no Mato Grosso do Sul.

‘+ AR’

Por coincidência, uma das primeiras falas de Almir em entrevista para a Tribuna foi sobre ter acabado de finalizar seu mais novo disco, que será lançado no segundo semestre deste ano. “Se nenhuma gravadora tiver interesse, a gente lança independente!”, declara. Esse disco é certamente uma continuação do “AR”, são canções de poesias do Renato, com melodias de Almir, nessa parceria que naturalmente e de maneira serena surgem boas ideias. “O tema vem no ar, a melodia faz rimar a poesia, a poesia é o que arrebata, a música envolve…”, comenta Sater, talvez daí venha a ideia do título do disco. O segundo, “+ AR”, deve ser reunido com o primeiro para lançarem uma edição dupla, já que são trabalhos que percorrem a mesma encruzilhada, como um lado A, um lado B. “Primeiro a gente faz a música para a gente, é amor, paixão, vontade”, fala Almir sobre a arte de compor. Normalmente ele prepara a melodia e mostra ao Renato, que canta a poesia. A parceria dos dois com Paulo Simões, que já tem muita estrada, também está refletida nestes álbuns, “Assim os dias passarão” é uma das canções preferidas de Almir e que foi pensada em conjunto pelo trio. “É poesia destilada”, define.

Seus fones de ouvido

Conversamos sobre a escuta da música através de mídias físicas, mas sem cerimônia. Na simplicidade e sinceridade que carrega na fala, Almir é gente como a gente: escuta música pelo celular, com um fone de ouvido plugado. Ali ele tem de tudo, visita e revisita a música do mundo inteiro. Recentemente, o que tem colocado para ouvir é o disco “Passado, presente & futuro” de 1972, do Sá, Rodrix & Guarabyra, obra que escuta desde bem jovem e que carrega com carinho por ter sido a primeira vez que teve contato com o som da viola caipira e quando começou seu apreço pelo rock rural. Escuta música em casa e também quando viaja de ônibus para tocar em outras cidades. “Cada integrante vai no seu mundo, criando sua sonoplastia enquanto pegamos estrada”, conta ele.

Não só das brasilidades Almir Sater coleciona sons, gosta muito de Dire Straits, Bob Dylan e Eric Clapton, já do Emerson, Lake & Palmer, ele admira “Lucky Man”, sempre lhe agradou a combinação do acústico mesclado ao eletrônico. Seus últimos discos, em parceria com Renato Teixeira, têm uma marquinha do estrangeiro. Ele grava em casa, em sua sala de estar, captando pelo computador, junto ao produtor musical Eric Silver. Grava enquanto manda os cachorros pararem de latir, espera o galo cantar, mas lá no fundo, nas camadas mais imperceptíveis, ainda podem ter sons dos animais. Depois disso, Eric leva a Nashville, capital do Tennessee nos Estados Unidos, e de lá faz a gravação dos outros instrumentos que entram no arranjo. “Junta os caipiras daqui com os caipiras de lá”, brinca Almir Sater. Vão conversando por Skype, trocando ideias sobre as gravações e mixagem, que também é realizada no estado norte-americano.

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Sobre viver na Serra da Cantareira, Almir Sater gosta de sair para pescar e nadar no rio, quem não gosta? Tem uma horta em casa onde produz um pouco do que comem, também tem um galinheiro no quintal que fornece ovo caipira, e come cada vez menos carne. Vive nessa calmaria e mesmo com décadas de trajetória na música brasileira, é um compositor ativo: cria, grava e não quer demorar a lançar o que é novo. Sobre seu show em Juiz de Fora, ele define: “ah, vai ser um show que passa no tempo de um filme”.

 

Almir Sater
Nesta sexta-feira, 3, às 22h, no Capitólio
(Avenida Deusdedit Salgado 4.088)

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