Carlos Bracher pinta novo retrato em JF e fala projetos para 2018

O médico e fundador da Tribuna Juracy Neves foi retratado pelo artista, que tem planos de lançar em livro material com mais de 200 obras


Por Mauro Morais

21/02/2018 às 07h00- Atualizada 21/02/2018 às 08h48

Ao som de Beethoven, Bracher pintou Juracy Neves em sua casa numa tarde de fevereiro. (Foto: Fernando Priamo)

Com a “Quinta sinfonia” de Beethoven ao fundo, Carlos Bracher parece reger uma orquestra. Nas mãos leva um carvão que, ritmado, esfrega sobre a lona da tela. Desenha, toscamente, a forma de um rosto. E logo pega a palheta com grandes quantidades de tinta óleo. E nada fala. Cantarola a clássica canção e move todo o corpo ao compasso do concerto. Pouco a pouco, faz surgir no bailar do pincel o homem que ainda não havia conhecido pessoalmente. A conversa anterior, de menos de uma hora, foi o bastante para que Bracher fizesse seu retrato de Juracy Neves, médico, empresário e fundador da Tribuna. “Hoje quero pintar gente sem saber de nada, sem entrar no enigma direto. O não-visível é maravilhoso, é encoberto e existe de uma maneira bela”, pontua o artista, que já pintou Bibi Ferreira, Milton Nascimento, Chico Buarque e, seu preferido, o historiador inglês Peter Burke. “A minha maior emoção foi ver Bracher ter passado por um processo de transformação. Presenciei um grande criador. Ele conseguiu registrar o que estava vendo. Ele pinta a alma”, destaca Juracy Neves.

“O que transita num ser, ao pintar, eu não sei. E nem poderia saber”, sorri o artista, entre o misticismo e o ceticismo. “O dogma limita qualquer noção de natureza, prejudica a vida, cerceia. Nós temos que ser loucos. O importante é a loucura, em qualquer âmbito possível, seja na ciência, seja nas artes, ou na intrepidez, num aspecto social revolucionário e político. Temos que ser algo de Ghandi. Nós somos a possível soma de coisas desarmônicas que se tornam harmônicas no findar da vida”, filosofa Bracher.

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Eixo de uma pesquisa que se iniciou junto do seu encantamento pelas artes visuais, a pintura de retratos soma, hoje, mais de 200 obras, que o caçula da família Bracher espera, um dia, reunir. “Penso em publicar um livro. Como o final já está urgente, imagino um livro grande, com as minhas lágrimas de vida, como um ato final”, observa o artista, cuja estreia no Salão Municipal de Belas Artes de Juiz de Fora acaba de completar seis décadas.

‘Petite sensation’

Dramáticos, os retratos de Carlos Bracher não escondem sua influência expressionista, nem suas referências nos grandes pós-impressionistas Cézanne e Van Gogh. “O Cézanne tem uma das frases mais lindas que conheço, ele dizia que o importante é a ‘petite sensation’, a pequena sensação. Como se tivesse uma paisagem bela que entorpece, cria um choque da emoção, que não fica passiva, nem danosa”, pontua o artista, apontando para o retrato de Juracy Neves como exemplar do fenômeno que justifica a captura do “não-dito”. “Van Gogh é uma espécie que existe em cada um de nós, na beleza de ser, na beleza de amar o próximo”, acrescenta o pintor, referindo-se ao mestre holandês que sempre serviu de referência no Castelinho da família Bracher, a casa onde tintas, discussões, cânticos e abraços ocupavam o mesmo e harmônico espaço.

“Enquanto meus irmãos Décio e Nívea viveram naquela casa, nunca falei nada, nenhuma frase. Era todo o tipo de gente. Todos eram recebidos apaixonadamente, como irmãos, e ficavam por anos, décadas. Depois da morte dos dois é que comecei a falar”, observa Bracher, certo de que o constructo intelectual e pessoal de seu mais recente retratado o faz íntimo do Castelinho onde o artista foi criado e formado. “Dr. Juracy poderia estar no Castelinho”, brinca.

Ainda que não compreenda diferentes fases, os retratos de Carlos acenam para a professora Nívea, exímia retratista e dedicada irmã, cuja obra permite uma leitura de “purificação” de seus registros, que partiram de uma paleta repleta de cor e densidade até concluir em telas alvas, quase sem traços. “Nívea é minha mestra, minha preceptora, minha guru. Sou um subproduto dela. Ela tinha um ano a mais que eu, mas isso fazia uma diferença monumental. Ela tinha uma coisa que se chama talento. Eu, não. Sou uma sequência do que ela era”, diz, modesto.

Segundo Bracher, o crítico e pesquisador Olívio Tavares de Araújo tem o projeto de fazer um livro sobre a obra de Nívea Bracher, cuja morte completa cinco anos em 2018. Ao Castelinho, que guarda em cada canto a grandiosidade de uma família e de um imponente trecho das artes em Juiz de Fora, também está reservado outro projeto em nome da posteridade. “Estou alinhavando os princípios finais do destino, então, num primeiro momento me parece mais adequado fazer um centro de memória da pessoa humana, um corte social de 66 anos ininterruptos daquela casa, que fale de todas as pessoas. O importante é dinamizar para que as coisas não morram. A ideia é que isso não envelheça, nem feneça. Mas é difícil, porque tudo esmorece, as paredes, os ladrilhos, os telhados”, garante o caçula da família, aos 77 anos. “O que houve ali é tão bonito, e não podemos perder aquela memória.”

‘O que me interessa é o além do vidro’

Único filho do casal Hemengarda e Wildemar a nascer em Juiz de Fora e não na capital mineira, Carlos Bracher preserva laços de extremo afeto com a cidade. “Os antigos quadros que pintei em Juiz de Fora talvez sejam os que mais gosto na vida. Aquilo era eu. E era inexprimível o delírio existencial em que vivia”, emociona-se ele, apontando para os artistas Roberto Gil, Ruy Mehreb, Reidner, Affonso Romano de Sant’Anna e Olívio Tavares de Araújo como os mestres que encontrou, além da própria família. “O desenho puro, como fazia Décio e Nívea, não sei fazer. Meu desenho é apenas uma codificação para a pintura. Se desenhar muito, começo a desenhar a pintura. E a pintura deve ser um exercício da cor”, defende o homem, que, com dez livros lançados, prepara outros três para este ano.

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Em finalização, “Drummond e Bracher: Canto mineral” é uma leitura de Bracher sobre a poesia do escritor mineiro, de quem foi amigo. “Encontrei-me com Minas Gerais através da pintura de Carlos Bracher. É o maior elogio que, de coração, lhe posso fazer. Viva Minas!”, disse, certa vez, o itabirano autor de “Claro enigma”. “Para esse livro, fiz tudo em preto e branco, com carvão”, comenta Bracher, com 90% das telas finalizadas. Outro trabalho aguardado para 2018 é sua série sobre Belo Horizonte, como já fez com Ouro Preto e Brasília. Realizados em dois momentos distintos, 32 retratos de personalidades de Porto Alegre também devem originar uma publicação, além de exposição com registros do instante das pinturas feitos por Marinho Neto, respeitado fotógrafo sergipano radicado na capital gaúcha. A coerência a ligar trabalhos de temáticas tão diferentes está no olhar de um pintor comprometido com o invisível aos olhos. “O que me interessa é o além do vidro, é voar. Nós somos das estrelas.”

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