‘Ninguém nivelará as montanhas de Minas’


Por MARISA LOURES

19/04/2015 às 06h00- Atualizada 22/04/2015 às 10h02

Fusca do ex-presidente ficará suspenso (Felipe Couri)
Fusca do ex-presidente ficará suspenso (Felipe Couri)

“Tem muitas gavetas na memória”, escreveu Murilo Mendes em “A idade do serrote”. Inspirada na frase do poeta modernista, uma linha do tempo, traçada sob as curvas das montanhas de Minas Gerais, traz, à direita do primeiro pavimento do Memorial da República Presidente Itamar Franco, a trajetória do engenheiro nascido à bordo de um navio que fazia a rota Salvador-Rio de Janeiro . Um grande móvel de madeira apresenta em cada uma de suas 84 gavetas a história contada por meio de vídeos, recortes de jornais, fotografias e documentos. Para além de ser um simples espaço expositivo, a casa é montada pela Universidade Federal de Juiz de Fora para desenvolver ações relacionadas ao acervo do doador e incentivar a discussão da memória do município e do país. O fim das obras foi programado para outubro de 2012, mas o local ainda está sem data de inauguração. A Tribuna visitou o local, e a expectativa é de que a abertura ocorra em junho, mês em que o ex-presidente, morto em 2011, comemoraria 85 anos de idade. ”

Abril está descartado. O mais sensato é arrumar tudo e trabalhar com uma data celebrativa. O dia em que Itamar nasceu seria uma intenção. Existem alguns trabalhos de expografia e de projeto que, às vezes, não dependem só da vontade de quem está governando. Ainda que haja dinheiro, as ações ficam submetidas a uma série de processos, como os editais. Esse projeto é complexo sob o ponto de vista de sua instalação, porque envolve mobiliários e questões muito maiores do que só transferir um acervo daqui para lá”, afirma o professor José Alberto Pinho Neves, coordenador de implantação do memorial. “Estamos levando somente o que é significativo para a instituição acadêmica. O restante vai permanecer no Instituto Itamar Franco até um outro momento”, completa José Alberto, ressaltando que a proposta de promover um diálogo entre o prédio do memorial e o do Museu de Arte Murilo Mendes, já considerada no projeto arquitetônico de Rogério Mascarenhas, continua de pé. A intenção é formar um único espaço cultural.

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“Essa união se dará por meio dos jardins. Queremos recuperar os jardins da década de 1960, quando o prédio do Mamm foi construído”, conta o coordenador. Além de nova iluminação, a paisagem também ganhará um ipê amarelo e um pau-brasil, comungando com a ideia de se destacar os símbolos nacionais. Aliás, é nessa direção que atuará o setor de Educação e Difusão Cultural. Ainda na fase de expografia, já estão sendo elaborados os materiais com informações sobre os ícones brasileiros que serão distribuídos a crianças que forem visitar o lugar.

Instalações e recursos

A equipe envolvida no processo demonstra um imenso cuidado com a parte expográfica. As ricas instalações são de encher os olhos. José Alberto diz ser difícil repassar o valor total gasto com essa fase, pois o projeto está sendo realizado por meio de várias licitações e com recursos de fontes diferentes. Treze televisores, sendo um de 60 polegadas, exibirão vídeos didáticos e biográficos de Itamar. A compra de aparelhos de TV e a instalação de circuitos de televisão, por exemplo, foram executadas com verba captada com a Cemig e deve chegar a R$ 250 mil, de acordo com o coordenador, sem contar a mão de obra para produção dos filmes. O material permanente, orçado em cerca de R$ 350 mil, foi confeccionado por uma empresa do Rio de Janeiro, vencedora da concorrência, e custeado pela própria universidade com dinheiro previsto no orçamento do ano passado. “É difícil precisar. Acho que, da impossibilidade de a universidade ter recursos nesse momento de crise, houve a necessidade de captar recursos com a Cemig para assegurar o conjunto de equipamentos para atender os filmes”, explica José Alberto. Símbolo da Campanha de Popularização do Carro, encabeçada por Itamar, o famoso fusca branco ficará suspenso no salão, assim como uma escultura em que o artista plástico Ricardo Cristofaro, tendo como mote uma célebre frase de Itamar – “Ninguém nivelará as montanhas de Minas”-, faz uma alusão às montanhas do estado. Além do retrato do ex-presidente confeccionado pela irmã, Matilde Franco, ocuparão as paredes do espaço a figura de Itamar traçada pelas mãos de Carlos Bracher e Pedro Guedes. As duas últimas telas foram produzidas após a morte do político.

Destaque também para uma coleção de gravuras de Glauco Rodrigues, que propõe uma discussão tropicalista da República dos anos 1930. À esquerda do primeiro pavimento, estará a cenografia do escritório do ex-presidente. Para a entrada, foi idealizada uma escultura em ferro, esculpida no formato de três cabeças de Itamar. Em cada uma delas, textos de Lourival Batista de Oliveira Júnior, Wilson Cid e Murílio Hingel têm a missão de chamar atenção para a atuação do ex-presidente nos campos econômico, social e educacional do país.

“Sem ferir qualquer contribuição de outro presidente, a intenção do Memorial é dar à verdade uma face reconhecível em meio aos bombardeios de informações enviesadas/atravessadas que, ditas muitas vezes, ocultam a verdade ou omitem a contribuição do Presidente Itamar Franco”, asseverou Pinho Neves, fazendo coro com o ex-reitor Henrique Duque. “Muitos laços afetivos unem a história do presidente Itamar Franco à Universidade Federal de Juiz de Fora. Sonhos se tornaram realidade em razão dessas aproximações. Sua contribuição à pátria nos aliviou na travessia dos anos 1990”, disse Duque em discurso durante a cerimônia de assinatura do termo de criação do Memorial, em julho de 2011. No segundo andar, o legado do político será mais uma vez enaltecido em um grande painel adesivado, composto por figuras, bandeiras e objetos que saltam da parede, dando a impressão de um alto-relevo.

Ênfase na pesquisa

O Memorial da República será composto por um Conselho Curador, cujos nomes foram publicados em portaria no dia 1º de abril: Júlio Chebli, reitor da UFJF, como presidente, o supervisor do memorial, ainda a ser escolhido através de uma lista tríplice indicada pelo conselho, Fabiana Surerus Franco e Márcio Tulio Jatobá Pelluso, ambos representantes da família, Ruth Maria Hargreavres Cardoso da Silva, Ricardo Cristófaro, Wilson Cid, Marcos Olender, Christiane Jalle de Paula, Suzana Quinét, Neuza de Assis Mitterhoff, Ricardo Bonfante e Laiz Perrut Marandino. O espaço terá um setor de pesquisa e outro de educação e difusão cultural, além de uma comissão editorial e uma comissão de patrimônio.

De acordo com Pinho Neves, o primeiro livro a ser lançado faz um recorte sobre o período em que Itamar Franco foi prefeito de Juiz de Fora. “Fazemos planos para que o memorial promova, pelo menos duas vezes ao ano, dois seminários, que resultaria em publicação. O setor de pesquisa também pode avançar sobre a memória da cidade, preenchendo uma lacuna daquilo que as instituições não estão fazendo ainda.”

Entre os mais de sete mil títulos catalogados e já dispostos na biblioteca do memorial, quadros, condecorações, documentos e outros objetos pertencentes ao acervo do patrono, está o rico arquivo de aproximadamente 150 mil cartas populares enviadas a Itamar. As correspondências revelam os anseios e as inquietações dos brasileiros que viveram uma época, mas também casos curiosos e engraçados.

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“Tem desde pessoas pedindo uma geladeira até melhorias em escola, passando por denúncias”, comenta o coordenador, enfatizando o real papel de uma instituição museológica. “O setor de patrimônio vai atuar não só com a possibilidade de descarte de algo que não seja significativo, mas também tratar do que pode ser passível de incorporação. Tudo tem que estar dentro do recorte.”

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